quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Capítulo Extra 2

 

Robert estava deitado numa rede.  Sabia que era a casa de sua avó. Estava, como fazia quando criança, enrolado na rede. Não via nada, e todo o mundo se limitava àqueles poucos feixes de luz que entravam.
Num momento ele tomou conhecimento de que sua avó estava morta, então saiu da rede. Todo lugar havia sido consumido. Como que queimado. Tudo preto.
A casa estava destruída e as duas árvores que sustentavam a rede agora eram grandes barras de ferro.
O sol distorcia a imagem do terreno de tão quente, mas ele percebia com clareza as rachaduras no chão. Era um lugar de gramado alto naquela área. A idéia era de que todo o mundo tinha acabado, como numa grande guerra.
Ele simplesmente não se importava.
Um homem veio até ele, ao que o diálogo começou.

- Quem é você, velho, que invade o meu descanso com sua presença fétida? – perguntou Robert
- Sou o seu mestre.
- haha! Meu mestre?! Eu não tenho mestres!
- Você nasceu a pouco tempo e, como toda a criança, é indefeso e débil. Não me considero um grande tirano, mas esse momento é crítico e vou precisar de você.

Ele se levantou e atacou o velho. Correu rapidamente na direção dele, que não se moveu nenhum milímetro. Quando ele chegou perto do oponente, este desapareceu e surgiu deitado na rede.

- Podemos fazer isso por toda a noite ou então você poderá me ouvir. – disse o velho
- Vai se foder! – disse Robert
- haha! Muito bom, filho. Igual ao meu companheiro rocker. Aparentemente indomável!
- Não sou seu filho e se você não me deixar em paz ganhará um inimigo.
- Você acha que busco tua amizade? Rapaz, eu não tenho amigos.
- O que você quer de mim, então?
- Você cruzou recentemente para um novo universo e a minha função aqui é te orientar e dar instruções acerca da nossa dimensão.
- Do que você está falando?
- Não sente esse fogo ardendo dentro de você? Tanto poder, tanto ódio!
- Eu só vou me vingar. Então tudo estará terminado.
- Não. Você já deu o primeiro passo. Nem se você morrer poderá morrer. Eu lembro bem do meu primeiro dia. Meu primeiro dia nesse reino das trevas. Sabe que esse ambiente é o que restou do antigo Robert. Esse lugar destruído. Eu via aquela cidade gloriosa totalmente destruída. Onde fui corrompido. Eu deveria ter sido um iniciado do bem.
- Eu sinto sim. Conte sua história para eu aprender com ela. Quero saber.
- Eu era um alto iniciado Egipcio. Um dos mais adiantados, segundo eles. Tinha dois amigos. Apenas nós três naquele nível. Os outros não gostavam de nós, porque pensavam ser uma injustiça termos sido colocados lá.
- Como assim? Egito?
- Sim. Meu corpo era muito saudável naquela época. Aliás, nossos corpos eram sem mácula, o que era parte de nossa provação para o bem. Haha! Como eu levava aquilo a sério!
- Você é imortal, então?
- Morte, morte. Sua linguagem é estúpida, porque associa morte a fim. Nascimento é fim. Nascer é infinitamente pior do que morrer.
- Continue sua história.
- Eu e meu amigo éramos secretamente apaixonados por ela. Até hoje eu não sei se ela amava um de nós. Eu era mais reservado e ocultava meu sentimento, mas ele sempre confessava para mim a violência de seus sentimentos por ela. Sabia que já havia amado ela em outras vidas. Ao mesmo tempo que eu gostava de ouvir por me identificar com cada palavra que ele dizia, aquilo também me preocupava. Toda a nossa pomposa elevação seria posta à prova por aqueles sentimentos. Só ela não sucumbiu. E eu que, a princípio, deveria ser responsável pelos dois.
- O que aconteceu para se corromperem? – perguntou major Robert curioso
- Começamos uma luta reservada. Sei que ele percebeu minhas intenções para com ela. Com o tempo passamos a nos odiar por causa dela. Eu soube depois que naquela vida nós dois dormimos com ela, mas que o filho era meu. Soubemos que era meu quando nasceu com o sinal que eu tinha na testa, do lado esquerdo. Eu tenho nesse corpo ainda, mas bem menor.
Ele me odiou por aquele motivo e me desafiou para um duelo. Ele me matou, mas não voltou pra ela. Fugiu para o deserto e morreu de sede. Uma morte dolorosa. Enquanto morto, eu lhe sugeria ao espírito que ele fosse adiante e encontraria um Oasis. Mas ele nunca encontrou.
Na outra vida nascemos numa pequena tribo isolada. Os líderes previram a nossa chegada como a volta de deuses à terra. Irônico termos sido colocados novamente na mesma situação.
Mas já nascemos inimigos naquela vida, e embora respeitássemos os méritos um do outro, acabamos dividindo as tribos. Ela não aceitou a divisão e vivia dos dois lados da fronteira. Não havia ódio no coração dela. E no nosso, o amor foi desaparecendo.
Entramos em guerra e devastamos aquelas tribos que, graças ao nosso conhecimento, havia crescido. Morri em batalha, mas um soldado prometeu me vingar. Matou ela e ele. Estavam transando. Eu soube, mais tarde, que esse soldado na outra vida havia sido o meu filho órfão. Se entregou ao ódio e me serviu.
Não vou te contar mais detalhes, mas já te mostrei os personagens principais. Nossa luta durou ainda algumas vidas. Até que tudo perdeu o sentido. Acabou o ciclo, o criador veio até o mundo e ela foi levada embora. Para uma vibração á qual não poderíamos ir por conta dos nossos erros.
Nos unimos em guerra contra o criador, usando todo o nosso poder mental e todos os humanos que escravizamos. Éramos ingênuos e fomos humilhados. Libertaram todos os nossos e nos expulsaram para o inferno.
- Existe o inferno?
- É um nome que dão ao lugar. Há quem o chame de outra maneira. Você deve ter visto que não me importam muito os nomes. Em cada vida eles mudam. Não possuem importância.
- Certo, continue.
- Eu não preciso continuar. Em breve você visitará o inferno e falará com o senhor da nossa causa. Saberá que não é com um homem que você está lidando, mas sim com o próprio universo. Sua causa aqui não é a mesquinha busca de benefícios pessoais, mas a de causa o caos. Você trará a morte para o mundo junto a nós, e os primeiros a você exterminar serão seus inimigos.
- Então eu serei mais um servo da destruição do que um servo teu?
- Suas palavras são primitivas. Você acha que terá que se submeter a mim, mas a verdade é que se submeterá apenas á destruição. Você poderá destruir sozinho e acabar morto, ou receber o nosso poder e destruir o mundo inteiro conosco. É sua escolha.
- Eu vou pensar nisso.
- Não vai pensar tanto quando supõe.
- o quê?

O velho sorriu e ele foi despertado do sonho.

- Caralho, soldado, me acordou porquê!? – perguntou ele irritado por não receber a última resposta.
- Estamos vendo o nosso destino, senhor. – Disse Wilson. Finalmente chegamos!
- Nossos rifles de longo alcance estão prontos e carregados, bem como nossas metralhadoras e pistolas. Já separamos os isqueiros pros coquetéis molotov e está tudo pronto pra nossa vingança. – disse Kyle.
- Vocês são bons soldados. Muito bons.

Os soldados sorriram por conta do elogio. Ele começou a pensar sobre o sonho. Será que foi mesmo real? Tudo foi tão nítido...
Mas ele não poderia se entregar à mera destruição do mundo. Ele tinha dois soldados que precisavam de um mundo para morar. Mesmo duvidando de sua sanidade, ele se propôs a encerrar tudo aquilo com sua vingança e tentar levar os soldados a uma vida digna. Eles eram bons homens.
Quando eles chegaram perto e perceberam pela marca que o caminhão ou trailer deles havia passado recentemente ele sentiu um frio na barriga. Tudo seria decidido naquele momento.
Wilson parou o carro e perceberam que era possível subir pelo atalho. Aliás, perceberam que era uma boa maneira de se manterem escondidos.
Deixaram o carro num ponto em que, lá do alto, era difícil vê-lo e subiram deitados.
Major Robert sentiu um frio na barriga que dizia para ele não fazer aquilo, mas um calor por todo o seu corpo que o ordenava à vingança. Ele escolheu a vingança ao invés do perdão. Se prepararam para acertar os passageiros dentro do carro, mas Kimberly saiu, o que fez Robert rapidamente mirar na cabeça dela e puxar o gatilho. Ele odiava especialmente aquela mulher, pois atribuía a ela o motivo da traição de Jack.
Mas com isso eles entregaram a posição e Jack saiu atirando, e rapidamente um amigo dele acertou uma bala na cabeça de Kyle.
Robert gritou diante do corpo de seu soldado e começou a atirar sem cuidado na direção do trailer com sua metralhadora. Uma mulher saiu do trailer e ficou olhando tranqüila para o forte por algum tempo. Depois disso, ela simplesmente foi embora andando. Indiferente ao tiroteio. Robert, olhando pra ela, teve uma sensação estranha e decidiu não atirar. Quando olhou novamente, ela já havia desaparecido e aquela distração permitiu que dois dos passageiros entrassem no forte. Eram dois moleques e desarmados. Matá-los não seria tão difícil.
Um jumper pulou do muro e trancou uma moça dentro do trailer. Um deles tentou enfrentá-lo e foi derrubado facilmente.
O jumper voltou para o muro e Robert lembrou-se do suicídio cometido pelo último que ele viu. Pareciam não ter a intenção de interferir com sua vingança. Presumiu que, então, todos deveriam estar conectados de alguma maneira.
Mesmo pensando nisso, não perdeu a concentração. Eles usaram a grande porta da fortaleza como refúgio. Com freqüência eles tentavam, sem sucesso, correr na direção do trailer. Aparentemente, davam demasiado valor à moça que estava ali dentro, pois estavam tentando resgatá-la a todo o custo. Robert decidiu poupá-la para torturar e matar na frente dele. Estava presa e indefesa. Isso causaria muito mais dor em Jack.
Ouviram uma risada estrondosa vinda de dentro da Fortaleza. Parecia ter origem de uma grande caixa de som, como daquelas usadas em espetáculos musicais. Pareceu estranho para eles que fosse uma risada assim tão nítida, gutural, irônica. Era como se alguém estivesse assistindo o conflito e o achando ridículo.
Logo em seguida um monstro enorme chegou diante deles. Olhou para Robert e Wilson por dois segundos e, de repente, apanhou o soldado e o esmagou com as duas mãos.
Robert ignorou completamente a morte do amigo e tentou atirar em Jack, que estava distraído, mas suas mãos tremeram e ele sentiu um calafrio. Derrubou a metralhadora no chão.
O homem que matou kyle assim que saiu tentou atacar o monstro, embora demonstrasse um óbvio espanto devido às suas proporções, mas logo foi nocauteado com um golpe de cotovelo da criatura. Nem pareceu fazer muito esforço pra isso.
Ele se levantou e começou a correr para a fortaleza. Imaginou que aquela criatura o mataria em breve, e queria matar pelo menos Jack antes disso.
O monstro abriu o teto do trailer com as mãos, o que fez Robert cair no chão assustado. Não foi pra muito longe do jipe antes de cair.
A criatura foi em direção ao trailer e destruiu todo o teto, apanhando a moça lá de dentro. Não fazia sentido para Robert, que olhava aquilo tudo abismado.
Tal era seu espanto que perdeu os movimentos do corpo. Congelou deitado no chão e viu o monstro largar a moça no chão. Ele assistia a toda a cena, mas não podia fazer nada.
O berro que ele deu foi o mais alto que Robert já havia ouvido. Ele sentiu a vibração no pulmão.
Uma multidão veio correndo desesperada. Pelo que Robert constatou, já estava próxima e simplesmente aguardando o chamado.
Eles chegaram concentrados no garoto que tentava salvar aquela moça, que devia ser feita de ouro. O ignoraram tão completamente que o pisotearam e ele acabou desmaiando.

Ele viu o céu com algumas nuvens girando. Ele subia entre as nuvens, até que começou a fazer uma curva lentamente. Depois de seu vôo ter sido enclinado em noventa graus, ele foi lançado com violência na direção do chão. Ele girava como uma broca, e foi se aprofundando no íntimo do mundo. Chegou num ponto tão profundo que nenhuma luz chegava ali senão uma estranha e aparentemente artificial, que ficava no topo de uma torre pomposa.
Havia ali uma espécie de rio de lama, no qual corpos flutuavam e faziam movimentos leves, carregados com agonia. Havia neles algo como fumaça ou um líquido estranho. Difícil de definir.
Saiu da torre um homem, ou alguma criatura, totalmente coberta com uma capa preta e com bordas vermelhas brilhantes. Era, de fato, uma bela capa. Ele flutuava sobre os corpos e sugava aquela substância que havia se acumulado.
Quando ele saiu, os movimentos cessaram, e a substância começou a se formar novamente. Quando ela se formou até algo como metade do que era antes, os corpos se reanimaram e começaram a se contorcer novamente. Alguns davam gemidos que pareciam baixos demais para qualquer um ouvir.
Ele sentiu um calafrio que passou por todo o seu corpo. Era esse o seu destino e era ali que ele iria morar.
Ele também podia voar, embora sua própria substância, que identificou como energia, fosse lentamente sugada por uma espécie de antena que ficava no topo da torre. Foi até lá e entrou.
Havia homens trabalhando em máquinas estranhas e alguns presos em câmaras cheias de água misturada com um tipo de lama.
Todos estavam trabalhando atenciosa e compulsivamente. Ignoraram sua presença completamente.
Eles mutilavam homens. Arrancavam braços e colocavam pernas no lugar. Costuravam olhos e bocas. Criavam insetos com uma máquina e obrigavam pessoas a comê-los.
Assistir àquilo ia removendo dele cada vez mais as suas energias em logo uma voz começou a falar em seus ouvidos.
Ele a ignorou, pois eram suspiros ininteligíveis, e continuou seguindo na torre até o elevador. Entrou lá e um dos trabalhadores foi com ele. Apertou o botão que os levaria até o topo. Parecia nem notar a presença de Robert, tamanha a sua concentração no que fazia.
Subiram até o topo da torre, onde estava o mesmo gigante que ele viu na frente da mansão.
Diante da sua presença ali, ele caiu e perdeu completamente suas forças. Elas formaram pequenas esferas, ao redor das quais alguns insetos se aglomeraram e logo carregaram embora, como formigas atrás de coisas doces.

- vo você... quem... – Robert tentou falar.
- Sou seu treinador e já passei por tudo o que você está passando a milênios atrás. Fique de pé.

Ao som da voz daquele homem, Robert recebeu um tipo diferente de força e se levantou. Antes ele tinha uma espécie de sopro de vida, e agora era um sopro de morte. Permitia tudo o que o sopro da vida permitia, mas exercia certa influência sobre seus pensamentos. Por sorte, talvez, a influência o movia precisamente para onde ele queria se mover. Assassínio, vingança, destruição.

- O que você quer de mim?
- Como seu treinador, agora é o momento de te dar a escolha. Você pode cair no lago negro ou se tornar meu soldado.
- parecem vagas tais definições, já que não conheço esse lago e não sei o que farei como seu soldado.
- se cair no lago, será fonte de energia para os mortos, pois é apenas dos espíritos que conseguimos energia significativa. Se desejar ser meu soldado, se tornará um morto vivo, com uma existência radicalmente diferente da que tinha antes. Voltará para a terra.
- E não há outra escolha?
- No estado em que você está, te garanto que não.
- Que estado é esse?
- Você se tornou um demônio. Uma das bestas que, desde tempos imemoriais, os homens temem.
- É verdade. Pois bem. Quero me tornar um soldado. Dê-me instruções e lutarei por você.

Aquela energia se tornou extremamente intensa, e ele ouviu o lamento dos que estavam no lago. Sentiu que lamentava pelo simples fato de que aquele processo lhes sugava as energias. Uma pequena esfera se formou em seu peito e uma maior começou a envolvê-lo.
- Que são essas esferas? – perguntou Robert
- A menor em teu peito é o peso dos mortos. Alguns a chamam de esfera negra da justiça. Todos os que possuem tal esfera serão obrigados, se saírem do reino das trevas, a passar por terríveis torturas. Precisamente por isso evitamos a existência como mortos-vivos. A esfera grande te transportará de volta ao seu corpo.

O lamento dos mortos se tornou ainda mais intenso. No fundo todo o sofrimento deles incomodava profundamente o coração de Robert, mas seu ódio superava esse incômodo e essa culpa. Não foi especialmente difícil ignorar esse incômodo.
Alguém tentava lhe falar alguma coisa, mas as parede do inferno deturpavam o som. Pela intuição, pensou que poderia ser a sua avó, mas a imagem era a de uma indígena americana com penas e com o rosto pintado. Somente essa imagem lhe vinha em mente, e ele concluiu que não poderia sua avó, que era loira de olhos verdes.
A esfera o carregou para cima quando a voz começava a ficar nítida. “não vou desistir de você!”. Somente essa frase que ele ouviu, mas a esfera lhe sugou os sentimentos. Quanto mais ele subia, menos intensas se tornavam suas emoções, com exceção do ódio e algo novo. Algo perpetuamente mórbido que o acompanhava. Ele chamou essa sensação de tormento da morte, porque não encontrou nenhum nome.
Chegou à superfície e viu o trailer destruído indo embora. Jack estava ainda vivo com alguns dos seus companheiros. Seu corpo estava destruído, com um olhar melancólico. Pensou que não fazia sentido ser pisoteado sem um olhar de pavor, mas não se reteve muito nessa idéia.
Seu começou a sofrer espasmos. Especialmente no peito, que freqüentemente ela lançado para o alto. Ele ouviu um estalo em sua costela e viu seus olhos se abrirem. Ficou pasmo ao ver o próprio corpo se levantar, pois não parecia capaz de qualquer movimento.
De súbito ele foi sugado para dentro da própria boca e tudo ficou escuro por alguns minutos. Primeiro conseguiu sentir sua própria pele. Havia uma terrível sensação de dor em suas juntas, e ele sentia como se milhares de agulhas estivesse lhe penetrando os cotovelos. Seu corpo se movia involuntariamente, e depois de um tempo ele percebeu que estava jogado na grama se debatendo. Imagens lhe surgiam na cabeça e desapareciam. Era memórias dele, que ele tentava trazer de volta depois de terem desaparecido, mas não conseguia. Ele sentiu saudade daquelas memórias, que sabia existirem, mas não podia ter acesso. No entanto, logo a esfera dentro de seu peito aliada algum outro tipo de força suprimiu sua saudade.
Começou a ouvir sons, mas não como costumava ouvir. Eram sons completamente sem sentido. Ele não conseguia distinguir de onde vinham os sons.
Percebeu que seu coração não batia e seus pulmões não se enxiam. Forçou o enchimento dos pulmões e se engasgou. O ar que entrou foi como quando ele se afogou quando era criança. A horrível sensação da água entrando nos pulmões.
Quando ele expulsou o ar recém sugado, o que permaneceu ainda o incomodava, mas com o tempo o incômodo passou. Seu olfato se ativou, e ele sentia cheiros demasiadamente intensos que não podia determinar.
Ele já não era humano. Nenhuma das necessidades humanas lhe ocorria. Quando pensava em sexo não sentia nada além de asco. Era como pensar no vaso entupido de seu velho apartamento. Tudo o que, em vida, lhe era caro, já não fazia sentido. Quando seus olhos se abriram, não se comoveu com os cadáveres de seus soldados. Não entendeu o motivo.
Depois de muito tempo, começou a controlar melhor os sentidos. Eram diferentes dos de antes. Sua visão aguçada possuía algo como três modos. O primeiro modificava a distância, sendo ele capaz de ver ao longe e também de ver coisas muito próximas e minúsculas. O segundo era a visão normal com o mesmo foco que ele tinha antes, mas mais ampla.
A terceira tornava tudo escuro e ele podia ver algumas esferas que brilhavam com uma cor amarela. Como o sol, mas em miniatura.
Cada um dos infectados que ele via possuía uma dessas, e dentro da fortaleza ele via um que possuía três.
Alguns do lado de fora possuíam duas, e ele percebeu que também ele possuía duas.
Conseguiu mover o pescoço, e percebeu que seu corpo estava completamente intacto. Fora sua pele, que estava pálida. Ele era um cadáver, afinal.
Ouviu o lamento dos mortos e sentiu a força lhe possuindo. Levantou-se apenas com o impulso de uma mão. Seu corpo parecia extremamente leve.
Tentou andar e caiu, mas se levantou rapidamente. Deu um salto de três metros de altura e caiu de cabeça no chão. Com o tempo foi conseguindo saltar cada vez mais alto e cair de pé. Se sentiu como uma criança aprendendo a usar o próprio corpo. Conseguiu correr bem mais rápido do que o normal, mas quando tentou acelerar acabou caindo.
Com o tempo conseguiu a curvatura ideal para correr rápido. Seu corpo ficava como que a 45 graus do chão, de forma que a posição era mais aerodinâmica.
Correu, saltou e acertou um infectado com o cotovelo, destruindo sua cabeça facilmente. Os outros infectados não se importaram com tudo aquilo.
Quando ele destruiu a criatura, se sentiu revigorado. Percebeu que algo lhe acometia quando ele destruía. Algo como a força que sentimos quando temos raiva, mas muito mais intenso.
Tentou falar, mas não controlava bem o próprio rosto.
Com o tempo, no entanto, começou a se expressar em monossílabos, e em seguida a falar com dificuldade. A sua voz era permanentemente gutural, como um cantor de heavy metal ou algo análogo. Era, na verdade, como uma fera rosnando.
Ele encheu os pulmões, mesmo sofrendo, e deu um berro, que imediatamente lhe trouxe infectados e até jumpers esperando seu comando. Se perguntou como ele pôde falar antes se não encheu o pulmão, quando sentiu que sua garganta não vibrava com o som.
Falou novamente e percebeu que o som saía de sua boca, mas não era fruto da vibração de suas cordas vocais. Aliás, o grito também tinha grande parte de sua origem dessa fonte misteriosa, mas também com a vibração das cordas e o tormento de encher os pulmões com ar.
Conseguiu controlar de diversas maneiras os infectados segundo diferentes sons que conseguia emitir e ficou fazendo testes até que o gigante com três esferas saiu de dentro da fortaleza.

- Venha, soldado. Sou seu comandante direto aqui.
- Para onde vamos?
- Falar com seu treinador, o mestre de todos nós.

Ele não gostou de usar o termo mestre, que usou com aversão visível. Robert não se importou com isso e foi com ele até o interior da fortaleza saltando. Estranhamente, perto dele seus saltos se tornavam mais altos e sua perícia se apurava. Não sabia se era o comandante que lhe dava esse poder ou se ele ainda estava se desenvolvendo.
Passaram por cima da fortaleza e chegaram nos fundos, numa espécie de passarela que não os levava a lugar algum. O gigante ficou no chão e ele ficou em cima, sob orientação do treinador que é mestre.

- Então, Felipe, nessa missão você entenderá mais profundamente as coisas que te falo. Falar sobre o lado negro e destruidor de Deus não possui qualquer significado para quem não vive tal realidade. Você irá se conectar à destruição absoluta através da espada e atacar nosso inimigos. Entendo seu ceticismo em relação a isso, pois do ponto de vista da razão não possui qualquer sentido. Mas não é necessário criar argumentos racionais e eu nem os tenho. Vá e descubra, da mesma forma que você veio aqui e descobriu.
- Sim. É essa a espada que vi nos meus sonhos?
- Correto. Minha espada, que vou lhe emprestar.
- Mas eu sonhei que deveria matá-lo com essa espada.
- O quê? – disse Rocker
- O que é a morte, Filho? Meu corpo já está quase totalmente destruído, de qualquer maneira...
- Mas com você morto, que irá nos liderar? Esse moleque não tem vivência pra ser nosso líder! Ele não possui o conhecimento necessário.
- Você irá orientá-lo no ataque aos renegados. Devem partir em alguns momentos. Carregue ele nas suas costas pessoalmente. Não toque na espada com sua mão, pois seu corpo não irá suportar o poder. Entendeu bem?

Ficaram todos em silêncio por alguns minutos, até que Robert quebrou o silêncio falando com dificuldade.

- O que farei? – perguntou ele
- Acompanhe-os e aperfeiçoe o controle sobre seu corpo. Será necessária da sua parte muita disciplina, e é precisamente por isso que te escolhi para ser soldado. Lembre-se de que nesse corpo há certas faculdades humanas que você já não possui. Apesar de você não as entender quando estava vivo, elas te ajudavam profundamente. Nesse momento, você estará sem metade das suas antigas funções. Não terá intuição para ter contato com o senhor das trevas ou para se comunicar á distância, e, além disso, não será capaz de ter empatia. Aliás, tome muito cuidado, pois perto de certas criaturas você pode ser tentado a ter sentimentos. Se isso te acontecer, seu corpo será destruído e está fora do meu conhecimento entender o que te acontecerá depois. Posso presumir, no entanto, pela esfera que você carrega no peito, que não lhe sucederá nada de bom. – Respondeu o velho
- Sim.

O velho tirou das próprias costas, de alguma maneira, uma espada que tinha aproximadamente o tamanho dele e parecia ser feita de aço. Pelas dimensões, parecia se adequar perfeitamente ao tamanho das mãos do gigantes, mas parecia absurdamente grande para Felipe, que nem era tão grande pra uma pessoa normal.
Robert se impressionou com a facilidade com que o rapaz segurou a espada. Para ele aquilo não tinha nenhum sentido, mas também não teve suficiente interesse para perguntar sobre como aquilo foi possível.
- Agora vão para a batalha com todas as tropas da primeira legião e mais uma de elite. A fase de limpeza acabou. Estamos, agora, no início da grande guerra.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Capítulo Extra 1



O avião fechou e Isabela não parava de gritar. Seu desespero durou, estimaram, por duas horas. Chorou, bateu nas paredes, rolou pelo chão.
Aquilo deixou todos os passageiros ainda mais atordoados com aquele problema. O tempo ia passando e sempre mais um morria. Sempre a morte estava ao redor, pronta pra levar a próxima vida.
Estavam todos sentados como que de luto. Não especificamente por essa morte, mas pela constante perda que a vida havia se tornado. Pelo que parece, o Roberto, que morreu dessa vez, não era muito de conversa. Ele se isolava muito. Só Isabela mesmo que não desgrudava dele por nada.
A agonia dela perfurava todos os outros. Até Felipe, que geralmente se mantia apático, parecia perturbado com ela.
Num dado momento ela parou de se debater e foi para o fundo do avião. Ela se abaixou e abraçou as pernas. Balançava para frente e para trás compulsivamente, olhando sempre pro mesmo ponto no chão, no qual ninguém pôde ver qualquer coisa.
Passaram por uma turbulência e Augusto caiu no chão. Ele mesmo não conseguia imaginar um motivo para não ter prendido o cinto de segurança. Sempre se considerou um indivíduo precavido.
Encontrou um pacote de camisinha no chão. Pegou e ficou olhando. Afinal, por que razão ele tinha pego aquilo do chão? Porque ele estava fitando para aquilo?
Na verdade foi essa pergunta que o manteve olhando para o objeto, procurando nele alguma informação que servisse como pista. Leu tudo o que estava escrito na embalagem e acabou guardando o objeto no bolso.
Felipe estava dormindo tranqüilo e teve um sonho.

Ele nadava num lago de fogo. Foi até a borda e escalou um pico de pedra. A rocha quente estava quase derretendo, e quando ele a segurava a sua mão penetrava, o que dava a ele a possibilidade de continuar subindo. Lá no topo, encontrou uma nuvem negra. A mesma nuvem de sempre, que lhe falava nos sonhos. Ele a chamava de nuvem de nada ou nuvem do nada.

- Me invocou, pai? – perguntou Felipe
- Sim. Sua intervenção se mostra necessária.
- Porque?
- O representante humano das trevas tem interesse pessoal nisso.
- Interesse pessoal? Humano? Aquilo é um ser humano?
- Não se engane pelas formas. É um humano e está deixando sua identidade material falar mais alto que a própria essência. Seu objetivo aqui não será o de realizar os desejos dele, mas apenas mostrar que não só é impossível como também inadequado aos meus planos.
- Por quê?
- Ele está a muito tempo nessa posição. O seu íntimo já não suporta tal existência. Em breve alguém terá que tomar seu lugar.

Um trono se ergueu numa plataforma. Nos braços, dois esqueletos deformados serviam de enfeite. Era toda feita de rocha negra, como que queimada.

- Que eu tenho que fazer?
- Só seja receptivo. Você receberá as instruções diretamente dele. Deixe-se levar.
- Sim.

Ele acordou no avião com Augusto soltando o cinto de segurança. Ele foi até o fundo do avião.
Ali perto havia um banheiro, e Felipe o seguiu impulsivamente. Quando percebeu o que estava fazendo, entrou no banheiro e ficou lá dentro ouvindo. Assustou-se com tal atitude involuntária, mas lembrou do sonho e imaginou que seria isso que a nuvem do nada tentava dizer.

- Está tudo bem contigo, Isa?
- Inferno! O inferno se ergue até esse mundo! O diabo!
- Do que você está falando?
- Você não vê? Está por toda a parte. Está aqui neste exato momento. O espírito das trevas! – gritou ela chorando. – estamos condenados! Todos nós!
- olhe, eu sei que estamos num momento difícil, mas te garanto que tudo será resolvido. Sei que você esta triste com a morte do Roberto, mas...
- Não fala isso! – ela o interrompeu. – Se ele morrer, tudo estará perdido!

Ele segurou a mão dela e beijou. Se sentou do lado dela no chão e ela apoiou a cabeça em seu ombro.

- Me fala do que você ta sentindo. – disse Augusto
- O mal, augusto. É o mal! Está destruindo todo o mundo, corroendo tudo. Isso está longe do fim. Nós não estamos indo para um lugar seguro. Não. Estamos indo para a cova do leão. A casa do diabo!
- olha Isa, eu sei que toda essa tragédia é difícil. Você já perdeu muita coisa na sua vida. Mas você precisa ser forte. Não pode se entregar dessa maneira. Me desculpa se isso te ofende, mas não tem como sabermos nada sobre pra onde estamos indo.
- Seu idiota! – berrou ela.
- idiota porque?
- Eu não sei. Só tenho certeza do que eu estou falando.
- Como pode?
- Não sei.
- olha, talvez...

Antes de ele terminar de falar, Isabela correu para um assento no canto onde não havia nenhuma iluminação. Ela estava com as mãos nos ouvidos e gemia ansiosa.

- Isa, ta tudo bem contigo?
- Você precisa da minha ajuda? – perguntou ela com um sorriso bizarro no rosto.

Houve um impacto no avião e ela foi lançada em cima dele. O abraçou com força.

- Eu preciso de você. – disse ele.
- Precisa como? – perguntou ela
- Eu sempre te amei. Nunca reparou como combinamos?
- Porque nunca me disse? – perguntou ela num tom tremulo
- Você parecia tão apaixonada por ele. Como que eu ia te contar?
- Onde que você nasceu? – perguntou ela
- Quê?
- É perto daqui?
- Na verdade é bem longe.
- Não, seu bobo. To falando aqui do alto! Eu sabia!

Ele não estava entendendo nada e não teve tempo para pensar. Em instantes ela se lançou sobre ele e o beijou. Acabou que ele perdeu completamente o juízo e desistiu de tentar entender o que ela dizia. Ele se entregou aos beijos e inclinou o banco para trás. Ele não acreditava que aquilo estava acontecendo.
Ela levantou os braços das cadeiras e subiu em cima dele. Suas pernas bem formadas e abertas criaram uma imagem completamente irresistível para Augusto. A cada instante que se passava ele ficava mais distante de ter algum domínio sobre si e nem se preocupava.
Beijou-a com avidez e passou a mão por todo o seu corpo. A pele dela era muito macia e o gemido dela enquanto ele lhe beijava o pescoço o levava à loucura.
Ele tirou a camisinha do bolso e olhou nos olhos dela por uns dois segundos. Não era um olhar que ele esperaria. Na verdade, ela parecia totalmente fora de si. Seus olhos estavam meio fechados por baixo, o que dava nela uma sensação de insanidade.
Ela tirou as calças dele e tirou a dela. Tudo muito rápido, embora a dela fosse relativamente apertada.
Abriu a camisinha com o dente rapidamente. Abriu a boca e encheu os pulmões olhando pra ela de uma forma assombrosa, mas isso não o impediu de continuar sem controle.
Ela o levantou e o virou. Virou-se também, de maneira que ficou de costas pra ele. Sem mais preliminares, sem mais carinho. Mesmo assim, ele não hesitou. Só parou pra colocar a camisinha.
Quando ele entrou, ela deu um gemido muito alto, e todos no avião ouviram. Kimberly veio ao encontro deles, mas ao ouvir a natureza do barulho ficou sem ação. Ela não sabia o que fazer e ficou parada por uns instantes. Estava perplexa e revoltada com aquilo, mas não sabia oq eu se passava de verdade.
Voltou para a cabine e contou a Jack o que se passava. Ele também ficou perplexo, mas também admitiu não possuir, acerca disso, qualquer conhecimento que fosse relevante.
Isabela mordeu a poltrona quando Augusto começou a se movimentar mais rápido. Do banheiro, Felipe podia ouvir os sons do impacto entre eles. Ele estava, naquele momento, canalizando todo um desejo a muito tempo reprimido.
Segurou a cintura dela enquanto a penetrava com força e olhou pra cima.
Felipe começou a devanear dentro do banheiro e se imaginou no mesmo inferno do sonho. Lá, recebeu instruções: “Você precisa falar exatamente o que lhe vier na mente sem julgar. Precisa falar tudo sem ponderar. Espere dez minutos depois que o barulho parar.”
Enquanto ele esperava, aproveitou para usar o banheiro. Tinha água, então lavou o rosto e se olhou por uns instantes. Ele perdeu peso, estava com o rosto ossudo. O cabelo estava maior e mais bagunçado do que antes.
Não perdeu mais tempo observando tais coisas.
As mãos de Isabela seguravam a cintura de Augusto e faziam força, puxando-o. Ele colocou o peso do corpo sobre ela, de forma que a poltrona se curvou um pouco mais e os pés dela saíram do chão. Naquele momento, ela estava totalmente subjugada, de forma que apenas Augusto era capaz de realiza qualquer movimento.
Nesse ponto, ele pôde sentir as contrações dentro dela. Pareceu estranho ela gozar tão rápido.
As nádegas dela balançavam ao ritmo dos movimentos dele, que naquele ponto já era muito rápido. Segou a coxa dela e passou em volta do próprio corpo, de forma que a penetrava de baixo pra cima. E continuou assim até gozar. Mesmo depois disso, ainda continuou por algo próximo de um minuto por um impulso insano, até que conseguiu retomar o controle sobre si mesmo e saiu.
Sentou no assento ao lado e o desceu até o nível do outro. Ela possuía um sorriso louco no rosto. O abraçou e deu-lhe uma chave de perna.
Ele conseguiu tirar a camisinha. Deu um nó nela e jogou-a no chão.
Ficaram ali abraçados. Apesar de sua perturbação, algo como alegria tomou conta dele por conta do calor. Reparou que eles nem tiraram as blusas. Era tudo uma loucura.
Felipe saiu do banheiro e Jack foi até ele.

- Eles sempre fazem isso? – perguntou com um ar meio perturbado
- Talvez a questão deva ser: ela sempre faz isso? Na verdade ela não desgrudava do Roberto e não tinha nada com ele, pelo que eu soube.
- Quer dizer que o namorado dela morreu e ela ta transando com outro no mesmo dia?
- É o que parece...
- Mas que vadia!
- Ela é uma mulher.
- Que quer dizer com isso?
- Todas as mulheres são putas e indignas de atenção continuada.
- Que preconceito!
- É um conceito baseado em experiência. Veja com seus próprios olhos.

Kimberly fez um sinal, ao que Jack voltou para a cabine. Felipe seguiu seus impulsos e foi até os dois, ainda sem calça agarrados.

- Eu tenho uma mensagem de Deus para a guardiã do espírito do último anjo na terra.

Isabela deu um salto e, ao se ver nua, ficou vermelha. Ela se vestiu rapidamente e se ajoelhou diante de Felipe. Tentou tocá-lo, mas ele não permitiu.

- Diga. Qual é a mensagem?
- Porque você abandonou o meu filho? Não sabe que ele ainda está vivo? Pensa que eu, o salvador, permitira que ele morresse? Prepare-se para resgatá-lo!
- Posso fazer só uma pergunta, bom mensageiro?
- Faça.
- Como são os pés do teu mestre?

Felipe hesitou, mas logo lhe ocorreu algo para dizer.

- Seus pés são feitos dum metal dourado que possui brilho próprio.

Ela começou a chorar novamente, mas depois de uns dois minutos se levantou, sem, no entanto, continuar com aquele olhar louco. Foi como se, de súbito, ela tivesse recuperado sua sanidade.
Correu até a cabine e Augusto começou a falar.

- Que porra foi essa? Ta fazendo ela enlouquecer ainda mais! –gritou ele.
- Pelo menos eu não a comi num momento de fraqueza. – retrucou Felipe calmamente
- Vai se foder, cara!
- Vai foder a maluca. O que eu estou fazendo não é negócio seu, e se interferir será morto.
- Vai me matar, é?
- Não. Só vou contar o que você acabou de fazer pro Roberto. Ele te mata.

Augusto ficou em silêncio e Felipe se sentou. Ficou meditando sobre os possíveis motivos daquele evento, e repentinamente Roberto passou a interessá-lo. Seu próprio devaneio o mostrava um meio de salvá-lo?
Na cabine, Isabela pedia a Jack para dar meia volta e buscar Roberto. Depois de muito insistir, ele acabou pousando o avião num aeroporto que ficava ali perto. Precisava reabastercer.

- Não pouse aqui! Temos que ir rápido! – gritava ela
- Precisamos de todo o combustível que pudermos encontrar. O que temos não é suficiente nem pra voltar.

Isabela entendeu prontamente e começou a se preparar para dar seu auxílio.

- Peraí, Jack. Você vai mesmo voltar por causa dessa vagabunda? – disse Kimberly em inglês
- Não. Eu acho mesmo que ele ta vivo.
- Jack, nós nem sabemos se tem combustível aqui e estamos quase chegando! O que encontraremos aqui será no máximo o bastante para voltarmos até lá e ficarmos sem combustível de vez! Pensa um pouco, pelo amor de Deus!
- Não. Nós vamos voltar. Ele está vivo e nós vamos voltar.
- Porque você se importa? Nem conhece ele!

Jack olhou nos olhos dela, ao que imediatamente ela sentiu o peso das próprias palavras. Se calou e, por um certo tempo, nada falou além do necessário para cooperar com Jack.
Saíram do avião Jack, Kimberly, Isabela e depois Augusto, do qual Jack dispensou a ajuda no começou, mas depois percebeu que precisava e acabou aceitando.
Encontraram apenas muito pouco combustível ali. Provavelmente o pequeno avião que permanecia ali decolou com muita reserva a bordo. Com certeza seria suficiente para voltarem, segundo os cálculos de Jack, mas chegando lá estariam quase sem combustível. De maneira, seria uma viagem só de ida. Todos poderiam morrer junto com Roberto mesmo que ele estivesse vivo. Ele pediu um sinal à Deus enquanto preparavam-se para abastecer de forma improvisada. Mas não abriu a boca senão pra dizer o necessário.
Felipe foi despertado de sua meditação e desceu do avião.

    Pode ficar aí dentro, Felipe. - disse Augusto

Felipe olhou para ele apático e continuou andando na direção de Jack.

    Tudo bem contigo, garoto?
    Você pediu um sinal. Que é isso? Ouça a voz que existe dentro de você e não tenha dúvida. Você saberá o que fazer e quando fazer.

Jack caiu pra trás com os olhos arregalados. Geralmente ele pedia um sinal e encontrava algum simplesmente por estar procurando, mas dessa vez ele recebeu a mensagem diretamente. Ficou convicto de que aquilo acontecia por ser importante e sabia que tudo aquilo não havia sido por acaso.
Depois disso Felipe entrou no avião, tão repentinamente quanto havia saído, mas Jack passou a trabalhar com mais esforço.
Todas aquelas experiências metafísicas os estavam deixando cada vez mais perplexo, precisamente por conta das coisas aparentemente impossíveis que aconteciam. Era como se ele tivesse uma forma de saber o que as pessoas pensavam e do que precisava falar em que momento para induzi-las a fazer uma coisa ou outra. Era quase um poder divino. Seria, se não fosse pelo fato de que a fonte de informação parecia autônoma e vivia insistindo que ele não estava pronto para receber as informações da forma como elas verdadeiramente são. Que ele precisaria nascer de novo.
Isabela ouviu aquilo e iniciou um processo de auto-destruição interna. Se torturava com culpa e procurava cada mísero erro de sua vida para se perceber como desgraçada enquanto fazia as coisas. Carregou mais peso do que o normal só pra sentir a dor e até se cortou com as chaves de um carro que ali estava.
Ela pensava que tinha que sofrer por ter perdido a fé e ter sido fraca. Mais profundamente, ela se sentia culpada por tamanha traição a Roberto e especialmente à Deus. O que foi que Deus nela? Por certo estava possuída pelo diabo, que a levava em seus momentos de desespero. Veio até ela desde que a praga começou. Atormentava sua alma enquanto que possuía os corpos das pessoas. Tal era o preço de ter acesso direto à Deus, pensava ela.
E o diabo ainda a tentava a estar próxima de Augusto, sendo que ela não conseguia impedir tal atração. Cada piada sem graça que ele pronunciava para tentar animá-la lhe trazia uma alegria que era seguida por um terrível vazio.
Tudo ficou pronto em pouco tempo. Nenhum sinal de infectados por perto.
Todos embarcaram e Felipe continuava sempre na mesma posição na cadeira.
Kimberly se perguntava sobre como ele podia ficar tanto tempo parado sem fazer nada. Parecia loucura. O que ele estaria pensando.
Ela se interessava muito por ele, mas nunca teve coragem de falar com ele direito. Ela sentia como se ele detestasse as pessoas e, no entanto, não tivesse nada contra elas. Como se o problema dele com todas as pessoas não fosse nada pessoal. Ele não parecia ser do tipo que guarda mágoa, mas nem carinho. Ele se negava a todo o tipo de contato e tinha ma barreira que, para ela, parecia totalmente intransponível. Ele nem se importou com o fato de que ela ficou alguns segundos olhando pra ele. Mas ele percebeu.
Isabela e Augusto conversavam, mas ninguém se importava com o que falavam. Na verdade, estava generalizado o desprezo pelos dois. Felipe por desprezar a todos e os outros por conta do que fizeram.
Depois de um tempo Augusto pareceu triste e saiu de perto de Isabela. Aparentemente, ela estava querendo se livrar dele. Foi até a cabine e pediu a Jack que não contasse nada. Ele negou, mas ela insistiu e disse que queria contar ela mesma. Ele acabou cedendo e disse isso a Kimberly, que não cedeu de verdade, mas fingiu pra ela parar de insistir. Passou a Desprezar Isabela tão profundamente que não queria tê-la por perto.
Felipe alegou ser indiferente a essa questão, mas diante a insistência dela concordou em não mencionar nada. Acrescentou ironicamente: vou contar a versão cor de rosa da história.
Augusto ficou melancólico e voltou a falar com ela e insistir. O clima na nave estava péssimo. No meio daquilo tudo, Jack conseguiu perceber uma enorme massa de Infectados próximos ao aeroporto. Por certo ouviram o som do avião, mas, por algum motivo, não atacaram. Se convenceu de que aquilo era um sinal de Deus e sorriu. Voaram de volta e, como as únicas provas do que houve eram uma camisinha abandonada no chão e a marca da boca dela numa poltrona, ao saírem foi como se, momentâneamente, nada tivesse acontecido.

-    Vou te contar, maluco, tu deve ser bom de cama mesmo. – disse ele
-    Quê?
-    Tua mulher fez um escândalo no avião e fez a gente voltar aqui atrás de você.
-    Ela fez isso?
-    Bonitinho, né? Só que temos um pequeno problema. O motor do avião acabou de estragar. Vamos todos morrer. Não é romântico.
-    Tem um trailer nos fundos da casa. Talvez possamos usar ele.

Na verdade Felipe sabia que ninguém iria morrer, mas queria testar Roberto. Queria saber se tais alucinações também o influenciavam para ele ter consciência de algo do que estava acontecendo. Seu desprezo pelas mulheres aumentou muito quando ele percebeu com quanta falsidade Isabela simplesmente fingia que nada havia acontecido.