terça-feira, 20 de outubro de 2009

Capítulo 7



Acordei estranho hoje. Diferente. De alguma forma me senti um tanto poderoso, como me senti no sonho por causa do anel. Parece que eu não me dei conta de que estou vivendo na era dos mortos. Não até agora. Tudo isso fez nascer um impulso mortal dentro de mim que me transformou completamente. E, no entanto, a presença de Isabela me mantém sob controle. Acho que no sonho eu só saí do inferno por conta dela. Não sei.

- Ô Roberto. Tu num gosta dessas paradas de rock pauleira? – disse o Sargento
- É uma forma de deixar a raiva passar. – respondi
- Achei esse anel de maluco aqui jogado na picape. Você que pegou?

Ele me mostrou o anel e fiquei chocado. Muito parecido com aquele do sonho, com a diferença de que os dentes da caveira era menores e obviamente não havia uma chama acesa em sua boca aberta.

- Você quer?
- Quero sim, cara. Valeu.

Peguei o anel e olhei pra Isabela, que já estava acordada. Não parecia estar orgulhosa de mim e tampouco estar flutuando sob uma nuvem. Na verdade ela apenas pegou minha mão e ficou olhando pro anel, um pouco curiosa. Vai ver não se tratava dela no meu sonho, mas de algo que usava a imagem dela pra me impressionar. Não sei. Será que algum dia vou conseguir beijá-la ou algo mais? Apesar de estarmos dormindo juntos nós não tivemos nada desde que fiquei bêbado. Sinto algo como uma vergonha de ao menos chegar perto de tal assunto e ela parece não estar mais como estava antes. Ela parece ter recuperado sua consciência totalmente. Não sou mais nenhum Deus pra ela e talvez nem seja mais um objeto de desejo. Apesar disso, ela continua dormindo comigo e continua fazendo questão de minha presença. Talvez ela só goste de mim. Sei lá.

-    Ta na hora de começarmos a preparação para a saída. Sargento quer que você nos ajude a pegar o máximo de combustível como reserva para usarmos nos barcos. – disse Augusto
-    É gasolina mesmo? - perguntei
-    Às vezes é diesel, mas também temd e gasolina – disse Isabela. – e eu, o que faço?
-    Você fica aqui e organiza os recursos. Precisamos de alimentos que possam ser conservados em temperatura ambiente e que não precisem ser cozinahdos. – respondeu Augusto
-    Porque eu sempre tenho que ficar aqui?
-    Acho que é porque você é mulher, não sei direito.
-    Isso quer dizer que sou fraca? Que palhaçada!
-    Olha, eu não to dizendo isso. É que a gente já ta acostumado a tentar proteger mulher. De qualquer maneira, você conhece melhor os produtos do mercado, então é a mais indicada. Se quiser o Roberto pode ficar te ajudando.
-    Não precisa. Podem ir.

Abracei Isabela de uma forma diferente. Já vi isso num filme, só não lembro qual. Encostei minha testa na dela pos uns instantes com os olhos fechados. Acho que eu queria beijá-la mas não tive coragem. Beijei a testa dele e saí com Augusto.

-    Toma cuidado lá fora... – disse ela.
-    Ta bem... – respondi.

Estavam nos esperando nos carros e eu entrei na picape com Augusto. Passamos pela minha rua e comecei a me recordar de como tudo começou.

-    Deixou a porta aberta de novo, Roberto. Chegou a escancarar. Tem que trancar senão ela abre. – disse meu padrasto

Naturalmente o ignorei. Como é que eu iria parar minhas leituras, reflexões e debates pra ver se a porta estava trancada? Isso nem de perto era essencial. Que fique com os outros o serviço braçal. Eu me dedico à questões profundos e não posso prestar atenção em banalidades. Coloquei o fone de ouvido com meu heavy metal. Novo álbum do megadeth.

- ô Roberto!

Ouvi um berro perfurando a minha barreira sonora. Desci correndo com o fone. Soltou do computador. Corri assim porque nunca havia ouvido ele gritar tão alto. Lá embaixo vi ele sentado de costas pra porta impedindo alguém de entrar. Jogou a chave pra mim.

-    Tranca rápido que tem um maluco querendo entrar.
-    Como assim?
-    Maluco! Eu empurrei ele pra fora e ele mordei meu braço. Olha só que filho da mãe, ta até sangrando.

Não era uma ferida profunda, mas me admirou que tenha sido resultado de uma mordida. Nunca soube de alguma neurose ou psicose que impelisse uma pessoa a simplesmente atacar um estranho à mordidas. Geralmente os assassinos psicóticos matam suas vítimas com armas ou então, se forem comer, primeiro a amarram. Eu diria que foi um cão, mas meu padrasto presta atenção detalhada nas coisas. Não é possível ele ter confundido. Tentei olhar pelo olho mágico mas estava tudo escuro. Acho que era sangue, não sei. O cara parou de esmurrar a porta e começou a empurrar, mas meu padrasto tinha consertado ela e estava bem fixa. O divertido é que, quando eu o vi fazendo aquilo, julguei como perda de tempo.

-    Vamo la pra cima cara, pra gente ver quem que ta aí embaixo.
-    Beleza, só me ajuda aqui a levantar. Tive que chutar o cara com meu pé que eu operei. Ta doendo muito.

Subimos a escada devagar. Eu sustentei praticamente todo o peso dele, parece. Ele se segurou no corrimão e subiu só com uma perna. Lá de cima vimos o indivíduo sair correndo em direção a uma menina que saiu de casa pra chamar a amiga. Ele mordeu ela no pescoço e ela quase não teve tempo de gritar. Mesmo assim a mãe ouviu e saiu, ao que também foi atacada. Outros como esse chegaram. Definitivamente não eram psicopatas, porque psicopatas trabalham sozinhos. Eles estavam vindo do fim da rua. Sei que pra lá tem a subida pra estação de tratamento de esgoto e uma rua que leva pra usina. Seria isso um efeito das pesquisas com urânio? Pouco provável. A radiação desintegra o corpo, não o anima.

- vamos parar com essa gritaria aí!

Uma vizinha saiu e foi atacada. A menina se levantou, seguida pela mãe. Haviam sido infectadas. Os monstros não conseguiram machucá-la, mas ela apareceu na janela para olhar, ao que eles correram até lá e entraram. Só pude ouvir os gritos dela e dos outros moradores da casa. Uma filha da minha idade e o marido dela. Se eu tivesse olhado pela janela de baixo estaria morto agora. Que merda! Já tomei todas as medidas para me assegurar de que não se tratava de um sonho. Meu padrasto ainda falava coisas que eu não podia prever, a cena nunca mudava, eu sentia meu corpo normalmente. Essa merda era real!
Entrei no meu quarto e me surpreendi. Meu notebook estava desligado. Tentei acender a luz e percebi que estávamos sem energia. Irônico você viver ao lado de uma usina e, na hora em que mais precisa, não ter energia. Olhei pela janela do meu quarto, que fica nos fundos, e vi correria nos becos. Monstros estavam saindo de lá e correndo atrás de um cara. Era um dos fortões que vivem malhando. Mesmo com uma expressão de medo, ele se mantinha com algo de auto-estima. Não estava fraquejando, apenas fugindo. Eu naquela situação provavelmente estaria com uma cara de retardado incrível. Afinal, será que eu poderia demonstrar ao monstro que seu comportamento era incoerente pata impedi-lo?
Senti nesse momento minha incapacidade. Minhas habilidades eram totalmente inúteis, meus conhecimentos supérfluos. Puta que o pariu!
Meu padrasto entrou no quarto. Foi a primeira vez que eu o vi com aquela cara. Um ódio misturado com desespero. Tentou correr, mas caiu por causa do pé debilitado. Usei uma espécie de roupeiro que tem no canto do quarto, que é de madeira resistente pata acertar a cara dele, ao que ele desmaiou. Mas, observando direito, ele desmaiou uns três segundo depois da pancada. Talvez tenha desmaiado por outro motivo. Sei que ele costumava passar mal quando ficava muito nervoso. Levei-o pro quarto e o coloquei sentado na cadeira que usam pra colocar roupa em cima. Acho que todo mundo tem uma dessas. Nem sei como consegui fazer isso. Ele é mais pesado que eu. Deve ter uns 120 quilos. Talvez o pânico tenha me dado forças. Pensei em matá-lo com a faca da cozinha, mas preferi deixá-lo vivo. Vai que isso tem cura?
Amarrei-o com lençóis. Mesmo depois de ter usado todos para amarrar desde os pés até o ombro eu estava com medo de ele se soltar. Achei a corda que minha irmã usava pra fazer apresentações de ginástica e o amarrei, além de embrulhar ele com uma fita adesiva que achei.
Fiquei ofegante depois de amarrá-lo com pressa e sentei no chão apoiando as costas na parede. Depois de uns instantes ele acordou e começou a tentar se soltar. Não conseguia. Ele estava de costas pra mim e saí tentando não chamar atenção. Fui pro quarto ao lado e sentei na cadeira do computador. Comecei a fazer a única coisa que faço direito: pensar.

-    Ô Roberto. Ta viajando aí? Cara, vem cá ajudar!

Saí da picape e peguei um galão daqueles de água cheio de gasolina. Levei PR picape e voltei.

-    Se liga, cara. A gente ta tentando acelerar a parada então faz o seguinte. Abre o buraco do tanque se der e cheira pra ver se é gasolina. Se for você coloca essa mangueira e puxa a gasolina. Quando vir ela passando pela mangueira você coloca ela no galão e deixa esvaziar o tanque. Lembra de enfiar bem a mangueira. Tenta aí.

Eu comecei a tentar sugar mas não vinha nada. Quando fui sugar com toda a minha força a gasolina veio na minha boca e engoli um pouco, ao que vomitei no mesmo momento.

Augusto começou a rir, mas logo parou pois um monstro saiu Peja janela da casa mais próxima e nos atacou, ao que augusto o matou com um tiro silenciado.

-    Porra, ta foda. Essas desgraças continuam aparecendo. Pensei que tínhamos matado tudo. Vou ver se tem mais por aqui, Chega aí.

Eu fui até ele meio fraco. O gosto de gasolina é horrível. O cheiro bom não ajuda em nada. AO chegar no carro em vomitei de novo. Augusto ligou o rádio do carro e não havia sinal. Apenas chiado. Colocou um cd em que estava escrito: minhas musicas. Deve ser o cd de mp3 do cara. O forró começou a tocar e eu vomitei de novo. Vai ver foi efeito da música. Se eu fosse um zumbi isso não me atrairia.
Três zumbis virem correndo, cara um de uma direção, atraídos pela música. Estavam distantes, mas Augusto acertou suas cabeças facilmente com o fuzil.

-    Toma aí uma garrafa de água, cara.

Bochechei com a água pra tirar o gosto de gasolina da boca, mas não saiu completamente. Repeti o procedimento e melhorou um pouco. Bebi o resto da água.

-    Fica ai de olho. Se vier algum me avisa.

Ele se dirigiu ao carro e pegou o galão, cheio até a metade. Apesar de tudo, consegui fazer o que tinha que fazer. Continuamos até que eu me senti melhor e ajudei a carregar os galões.
O sargento chegou de outra rua com três galões cheios e os depositou na picape.

- Não podemos pegar mais. Senão não vai ter como levar comida. Que houve com o Roberto?
- ele engoliu gasolina e vomitou. – respondeu Augusto.

Todos eles começaram a rir. Eu acabei rindo também, mas estava fraco demais. Depois de uns instantes todos paramos de rir. E ficamos calados. Eu refleti sobre o motivo de eu ter engolido gasolina, sobre tudo isso por uns instantes. Tudo perdeu a graça.

- Tira essa porra de musica e vamos embora. – disse eu.

Todos concordaram e voltamos ao mercado, onde encontramos Isabela com os alimentos necessários encaixotados. Tudo como se fossem compras a serem levadas.

- Vamos esperar o Roberto se recuperar. Amanhã partimos. – disse o Sargento.
- Que houve? Tinha mais deles la fora? – perguntou Isabela enquanto segurava no meu rosto um pouco aflita.
- Tinha. Mas não me atacaram. Eu só vomitei porque acabei engolindo gasolina.

Ela abraçou minha cabeça contra o ombro e depois me soltou. Olhou um pouco as ruas e me levou pra dentro. Deitei na cama. A roupa de cama era outra. Isabela saiu do mercado e foi até a farmácia. Voltou com um comprimido e me mandou tomar com uma garrafa de água. Era água com gás, que detesto, mas me esforcei pra beber. Não queria fazer palhaçada pra ela. Tinha medo de que ela se desse conta de que eu simplesmente não sou digno de tantos cuidados. Na verdade não eram os cuidados que eu tinha medo de perder.