quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Capítulo 17


Enquanto só, o homem se vê desesperado. Sua alma fica paralisada. Desconectada. E quem não teme a solidão? Corre pelo mundo atrás de companhia, mas não encontra. Porque as pessoas não querem amigos, não querem contato com o outro. Querem controlar os outros. Que os outros sejam maquinas prontos a satisfazer cada capricho estúpido. Chegará o dia em que tais pessoas construirão robôs que farão tudo o que querem. E aí, vivendo um reinado pseudo-divino, vão descobrir o que é uma alma solitária. Que no meio da multidão, sua alma está vazia. Se separam e nome de privacidade, se torturam em nome da liberdade. Nessa solidão o homem não é livre. Controlando tudo o homem não se conecta com os outros, porque só ama a si mesmo. E é isso que as pessoas fazem: se acorrentam numa cela solitária. Sem contato, sem liberdade. Tudo errado.

Ouvi o som de um avião se aproximando. Parei de atirar e olhei pro céu. Um avião enorme e voando baixo. Estava vindo pousar naquele aeroporto. Não sabia se um avião daquele tamanho conseguiria pousar ali para decolar novamente. Parecia impossível.
Nós nos afastamos dali e fomos para a torre de comando. Augusto queria tentar se comunicar com o avião. Felipe conseguiu fazer os zumbis voltarem. Eles simplesmente foram embora andando. Por mais absurdo que aquilo possa ter parecido, eu não parei pra refletir. Não podia fazer aquilo. Ele voltou tranqüilo em nossa direção. Parecia imerso em reflexões. Augusto subiu na torre e nós ficamos lutando contra os jumpers. Felipe conseguiu fazer um deles simplesmente volta e ir embora. Devia ter descoberto alguma forma de manipular os monstros, como o cientista na estrada. Não sei.
Os infectados normais desistiram de tentar atravessar as cercas, e só os jumpers nos enfrentavam. Criaturas peculiares. Eles percebiam a direção dos nossos tiros e como que calculavam o percurso deles. Antes de puxarmos o gatilho eles se esquivam, como uma mosca que pula quando percebe a ameaça. O jeito era acertar eles no ar, quando não podiam se esquivar tão bem. Então atirávamos de vários ângulos e eles caiam.
A cabeça tinha que ser literalmente destruída, pois eles continuavam vivos mesmo com buracos de bala na cabeça. Só perdiam grande parte da perícia quando atingidos.
O avião pousou, e isso parece ter assustado os jumpers. Alguns hesitaram e não ultrapassaram a cerca. Abatemos os mais ousados. Uma mulher saiu do avião. Pequena, loira. Parecia o protótipo de garotinha Americana. Ela tinha cara de líder de torcida, como se vê nos filmes.

-    Help us! We need fuel! – gritou ela.
-    Fuel, there. End. – respondeu Augusto.

Como ele sabia daquilo? Será que tão rápido ele percebeu? Nunca pensei nisso com atenção.
A mulher correu em direção à frente do avião e apontou para onde ele deveria levar o avião para receber combustível. Um jumper pulou perto dela. Bem do lado. Esperei um grito, um pedido de socorro. Mas ela sacou uma pistola e começou a atirar. Enquanto o monstro de esquivava ela se afastou para perto de nós. A criatura não pulava alto enquanto perto do avião. Ele a assustava. Por isso foi mais fácil matá-la. Esperamos, no entanto, ela se aproximar, pois não queríamos danificar o avião.
O avião facilitou ligeiramente a nossa defesa. Augusto dirigiu um veículo e fez coisas que nem entendi bem. Abriu uma parte dele que eu nem percebi que poderia ser aberta e começou a encher o tanque. Impossível ele saber tanto. Teve que aprender em algum lugar.
Eu não tinha percebido, mas havia uma terceira entrada. Não estava completamente infestada. Perto dela havia uns cinco. Ouvi tiros vindos dali. Um jipe militar quebrou a entrada e dezenas de mortos passaram. Estavam atirando contra os intrusos. Tinha ali um pequeno rio que bloqueada a passagem da maior parte dos infectados. Mas ainda assim era possível perceber uma pequena multidão entrando. Eram centenas. Atiramos de forma feroz.

-    Tenta parar ele aí, ô macumbeiro! – disse Rodrigo pra Felipe.
-    Eu não posso. São muitos. – respondeu ele um pouco ansioso.

Ele também começou a atirar. Os monstros não paravam de chegar e a nossa munição estava acabando. Perdi Isabela de vista por uns instantes. Estava abaixada recarregando as pistolas. Senti pânico. Depois daquilo fiquei mais próximo dela. Tinha medo de me separar dela. Meio estúpido naquela hora, porque estávamos encurralados. Se ela morresse, provavelmente eu morreria junto. Não seria abandonado sozinho e vivo.
A metralhadora do jipe, depois de um certo tempo, passou a dar conta do recado. Nossa munição acabou. Eu só tinha um pente numa pistola. Rodrigo e o sargento se aproximaram do jipe. Rodrigo estava eufórico. Parecia até mesmo feliz. Como se aquele jipe que nos trouxe tantos problemas fosse de fato uma espécie de salvação.
A pista estava cheia de corpos, e fui o primeiro a perceber que o avião não poderia decolar daquela maneira. Teríamos que arrastar os corpos dali.
Usaram cordas amarradas no carro para arrastar alguns corpos de uma vez e também carregamos corpos manualmente. Eles pareciam mais leves, embora fossem mais ou menos do mesmo tamanho que aqueles que carregamos para o frigorifico do mercado. Talvez o meu desespero tenha me dado forças. Não sei.
Eram duas pistas, mas pela curva do avião seria mais fácil ele decolar de uma delas. A saída dele ficava na parte traseira. Como aqueles aviões que deixam caixas de mantimentos caírem de para-quedas. Um homem negro com cara e mal e gigante saiu de lá com uma metralhadora na mão. Ele começou a atirar e de repente percebi que o sargento estava enfrentando um jumper. Ele estava ainda meio lento porque bebeu no dia anterior. O jumper mordeu o braço dele bem antes de receber um tiro certeiro na cabeça.
Rodrigo ficou desesperado. Correu para perto do sargento e finalizaou o jumper, que parecia desorientado depois do tiro. Continuou atirando no corpo do jumper até descarregar a metralhadora e se abaixou até o sargento, que se levantou. Foi uma mordida bem pequena, mas ele estava infectado. Era tarde.
Rodrigo chorou. Eu nunca tinha visto ele chorar antes. Parecia sempre tão cheio de si mesmo, como se fosse um maioral. Não conseguia imaginar aquele sujeito chorando. Principalmente aos prantos como ele estava. Era como se só naquele momento ele tivesse se dado conta da tragédia da nossa existência.
O avião ficou pronto. Matamos mais alguns infectados. Mas aquela situação prendeu minha atenção. Parece que todo o sofrimento dele era transferido para mim. Lembranças, apreensões. Também senti vontade de chorar. E eu fiquei tão acostumado a chamar o sargento de sargento que eu nem sei o nome dele. Sei o sobrenome, só.
A pista estava limpa e o avião pronto para decolar. Recuamos, mas Rodrigo ficou. Voltei até ele.

-    Vem cara. Vamos sair daqui. Bora! – disse eu.
-    Eu não vou subir nesse avião, moleque. Vai você.
-    Eles vão entrar aqui, cara. Você precisa entrar no avião. Vai morrer!
-    Vai tomar no cu. Não vou deixar meu amigo pra trás.

Fiquei em silêncio por uns instantes. Me perguntei se eu faria o mesmo por um amigo. Provavelmente não. Ele estava para morrer, não havia como curá-lo. Não naquela época. Há momentos como esse que não saem da minha memória. Momentos em que eu devia ter um conhecimento e não tinha. Em que eu precisaria ter experiência e não tinha. Eu queria saber, naquela época, como salvá-lo. Mas eu era ignorante.

-    Não tem jeito, Rodrigo. Ele foi mordido.
-    Você não entende. Não é tudo tão simples no mundo real. Só no mundinho de Bobby que você vive.
-    Não é simples nesse mundinho também.
-    Vai embora, moleque. Eu me viro aqui.

Isabela estava me gritando do avião. Os monstros começaram a entrar. O homem no jipe atirava neles. Imaginei que eles poderiam fugir no jipe, mas aquilo tudo não fazia nenhum sentido para mim.

-    Roberto. – me chamou ele.
-    Tá me chamando pelo nome agora?
-    Fica esperto, cara. Tem que ficar esperto. Vai embora logo.

Dei meia volta e comecei a correr. Desviei de um jumper que tentou me acertar. Felipe o paralisou com o olhar. Eu tinha que fazer perguntas a ele. Entender como ele fazia aquilo pra talvez podermos usar como auxílio na sobrevivência. Mas meu conflito interno não deixava. Eu detestava o fato de que não podia entender o que acabara de acontecer. Uma pessoa se sacrificando só pra passar alguns minutos com outra. Não havia esperança, mas ele não abandonou o amigo. Não fazia sentido algum. Talvez ele estivesse certo. São coisas que só os humanos podem entender.
Era uma decolagem perigosa. A pista era bem curta para o tamanho do avião que pousou nela. O piloto e a loirinha conversavam algo que não entendi direito. Estavam cochichando em inglês.
A entrada do avião fechou. Sargento estava morto, Rodrigo provavelmente também. É estranho quando você se acostuma com a presença de uma pessoa e ela se vai. Deixa um buraco que parece nunca ser preenchido. Não que eu vá sentir falta das conversas que nunca tive com o sargento ou das provocações do Rodrigo. Mas é horrível. Eram seres humanos.
Com o passar do tempo eu fui perdendo a capacidade de sentir ódio. Seria uma boa forma de ter forças para continuar lutando pela vida. Eu fui ficando cada vez mais desesperado. Não sei qual era a pior idéia. Eu morrer ou todos os outros morrerem. Pensei que eu ficaria louco se estivesse sozinho enquanto devaneava na minha casa, mas naquele momento parecia que sozinho ou acompanhado eu estava prestes a entrar em colapso. O avião acelerou rápido. Estávamos presos nos bancos pelos cintos de segurança. Uma sensação estranha.
Quando ele saiu do chão, tudo ficou mais pesado. Até minha mente. O clima ali era horrível. Acabáramos de sair dum paraíso. Uma ilha bela, um iate que nem arrisco dizer o preço. Agora enfrentamos novamente o mundo real. Um mundo terrível, de mortes. Quantas pessoas morreram? Quase todas, talvez? Sem comunicação, não há como sabermos. O mundo outrora interconectado se separou novamente.
Isabela chorou, mas eu não. Eu quis chorar, mas não chorei. As lágrimas ficaram dentro de mim. Queria deixar aquele tormento sair, mas não consegui.
A algum tempo eu havia percebido algo incrível: que eu era eu. Algo estranho, você tomar consciência de que é alguma coisa única. Iniciei uma viagem longa dentro da minha própria mente e me surpreendi com as coisas que descobri. Mas eu fique tanto tempo nesse meu mundo que acabei me separando do mundo lá de fora. Agora em nem percebo quando estou sob influencia de fora. Passei tanto tempo procurando saber quem eu era que perdi o senso de contato. Talvez seja por isso que eu era incapaz de entender o Rodrigo. Porque ele vivia algo que para mim era completamente absurdo. Difícil dizer.
Mas naquele momento eu fui expulso do meu jardim do éden. Eu saí do meu mundo imaginário e harmonioso, onde eu me refugiava. Naquele momento eu vivi o terror da realidade. E os portões do mundo de dentro estavam trancados. Eu tinha que entender o mundo lá de fora. Não suportei a tensão por muito tempo. Acabei fugindo de novo.
Acabei pegando no sono. Eu não fazia idéia de para onde deveríamos ir.

Eu estava entrando num prédio enorme. Nunca vi na minha vida um daquele tamanho. Sabia que se apresentaria alguém considerado importante ali. Imaginei que era o presidente americano. Eu estava nos Estados Unidos.
Todos estavam bem vestidos, menos eu. Mas ninguém se importou. Na entrada, eu vi um pequeno hall e uma escada enorme. Subi até o topo. Foi bem mais rápido do que eu imaginei. Na verdade, pelo tamanho da escada, não havia como ela caber dentro daquele prédio.
Lá no topo encontrei o presidente. Uma imagem meio distorcida. Não percebi uma pessoa. Ele representava o presidente, mas não era uma pessoa.
Falei com duas crianças. Queria trocar meus dólares por reais. Ofereci 50 dólares em troca de 50 reais. Tentei explicar o motivo pelo qual elas estariam lucrando, mas não entenderam.
Lá em baixo a carnificina começou o prédio foi fechado e os infectados começaram a matar as pessoas.
Mas eram infectados diferentes. Eles tinha olhos claros. Completamente azuis com um ponto negro no meio. Tinham expressão cruel, e não desesperada.
Minha mãe estava num quarto e eu noutro. Ela me deu um pacote de biscoito e me mandou ir para o outro quarto. Chamei-a pro meu, mas ela não entendeu o que eu estava falando. quando os infectados chegaram já era tarde. Nos trancamos, cada um num quarto lá no topo do prédio.
Pensei em usar o telefone que eu tinha. Era via satélite. Mas fiquei com medo. Senti que se eu fizesse isso os infectados conseguiriam entrar no quarto, porque ouviriam o barulho e saberiam onde eu estava. Olhei pela janela e a rua estava normal. Pessoas andavam, carros passavam.
Um grupo de extermínio da polícia estava tirando infectados do prédio ao lado. Eles não entendiam nada da infecção,e  pensavam que aqueles zumbis eram apenas marginais normais. Espaçavam os mortos para eles pararem de gritar, mas ele não paravam. Como parariam se é isso o que fazem?
Fui levado para outra cena, onde eu era outro homem. Sabia que se tratava de mim, mas a aparência era de outra pessoa. Era adulto, mais ou menos da minha altura. Mais forte, branco. Parecido com um ator brasileiro, aliás.
Nesse ponto eu via tudo como se estivesse fora. Eu estava deitado na cama com os olhos sangrando. Havia ali uma mulher e um homem nas preliminares. Depois de alguns beijos ela percebeu que eu estava ali agonizando.

-    Você infectou ele? – perguntou ela?
-    Infectei. É o que eu faço. – respondeu o outro homem.

Estranhamente, o infectado era muito parecido com o outro que agonizava. Ele mordeu a mulher, e ela sabia que estava condenada. Ela pulou para fora da janela e apoiou-se do lado de fora. Olhou para trás por um instante e saltou. Quando ela caiu morta eu despertei.

-    Agora você tem duas escolhas. Ou se torna um infectado ou pula pela janela. – disse o infectado com seu olhar cruel.

Eu decidi pular e me matar. Achei que era o melhor a fazer, pois eu poderia fazer o mal contra o mundo se eu me tornasse um infectado. Me segurei do lado do prédio como a mulher.
Quando eu olhei pra baixo, consegui como que aproximar-me mais do chão com minha visão. Como se eu fosse uma águia ou se usasse um binóculo. Quando eu olhava um pouco mais para cima, no entanto, a altura real se mostrava. Bastava eu não olhar diretamente para a coisa que eu a via como verdadeiramente é.
Uma voz de mulher falou aos meus ouvidos. Disse que havia uma forma de me curar. Disse que me guiaria e me mostraria como.
Senti paz, e comecei a descer pelas escadas. Quando cheguei no quarto andar, saltei e caí no chão. Caí diante de uma tela enorme, mas não consigo lembrar o que estava senso exibido nela. Provavelmente alguma propaganda.
Eu fui seguindo minha intuição, andando pelas ruas daquela cidade. Nunca estive por ali.
Cheguei no prédio onde eu estava preso. Tinha que descobrir uma forma de salvar a mim mesmo daquele isolamento.
Entrei num beco ao lado do prédio e havia um homem vendendo nuggets de frango na grelha num estacionamento. Perguntei quanto custavam com um inglês tímido, ele não me respondeu. Pensou que eu não teria como pagar. Aquilo pareceu um terrível insulto, então tirei dez dólares da certeira. Eu nem sabia que tinha uma carteira até aquele momento. Perguntei novamente e ele respondeu: dois dólares o quilo.
Achei estranho ele usar essa medida, porque nos Estados Unidos eles medem o peso de forma diferente. O mais bizarro, na verdade era o preço. Barato demais.
Uma mulher gorda e velha me ofereceu bebidas. Eu queria guaraná, mas não vendiam. Ela me ofereceu citrus, mas eu não conhecia essa bebida. Decidi não beber nada.
Saí do estacionamento e vi um mercado enorme. O Wallmart.

-    Então o Wallmart já destruiu o comércio local? – perguntei

A mulher me olhou de forma estranha. Era um olhar um pouco demoníaco, mas não ameaçador.

Fui levado dali até um lugar totalmente escuro. Eu nem via a mim mesmo. Havia uma voz que vinha de todos os lugares. Ela falou.

-    Não é frio? Não é solitário e terrível quando você percebe quem é e que está irremediavelmente separado do universo. Eu tentei te ajudar, irmão. Te manter conectado ao universo. Eu estou preso, mas não conectado. Só queria te privar desses sentimentos horríveis. Mas agora é tarde. Agora você passará pela pior prova da sua vida. Pior do que todas as outras. Agora você sentirá na pele as conseqüências da sua separação. Espero que consiga superar eu desafio e que seu espírito se eleve aos céus. Que você siga um caminho que não te levará a lugar algum só por seguir, porque é só o agora que importa. Que o universo conspire em seu favor.

Acordei.

E acordei sem alma: todas as forças imaginarias que normalmente me davam força de vontade me abandonaram. Sem Gaia, sem Mefistófeles, sem nada. Talvez fosse aquela a humanidade que eu desejei. Foi terrivelmente assustador constatar que eu já não vivia no meu mundo. Imaginei que talvez fosse essa a minha grande provação. Todos despertamos quando sentimos o avião pousar. Estávamos numa estrada. Perto de uma fazenda.

-    Precisamos de mantimentos. Nessa fazenda poderemos coletar o necessário até pensarmos em para onde iremos. – disse o homem gigante que pilotava. – meu nome é Jack e essa é Kimberly. O campo de refugiados se foi e estamos procurando um local para nosso refúgio. Sei que estão em choque, mas precisamos de toda a ajuda de que pudermos dispor para coletar os recursos.

Me levantei junto com Augusto. Tentamos acordar Felipe de todas as formas, mas ele parecia desmaiado. Nem jogando água na cara dele conseguimos despertá-lo. Decidi deixar Isabela dormindo no avião. Tinha medo de ela se ferir ou correr perigo lá fora.
Jack nos deu armas. Eram mais pesadas, mas eu já estava habituado a esse tipo de coisa.
Saímos até um celeiro, mas logo percebemos que era uma má idéia. Um homem tentou atirar na gente, e o barulho foi alto demais. Os infectados começaram a correr. Eu nem imaginava que eles estivessem tão perto. Não estavam berrando. Só correndo.
Meu corpo estava muito fraco. Nem sei bem por que. Eu estava fazendo exercícios com freqüência e estava bem alimentado. Talvez eu não deva buscar um motivo, por que eu perdi as forças, mas sim um para que.
Alguém ligou o avião, e eu tropecei na estrada. Já estava ficando para trás, porque não conseguia correr direito. Minhas pernas estavam muito pesadas. Minha cabeça também. Levantei, mas caí logo em seguida. Dessa vez caí com a testa no asfalto. O mundo estava girando.

-    Vem, Roberto!
-    Corre cara!

Todos estavam gritando e eu senti um calafrio. Naquele momento eu pensei que minha vida iria acabar. E por mais que eu tivesse pensamentos suicidas, eu tive medo. Tive pavor. Não era como a ansiedade que senti antes de sair do mercado. Era como se tudo o que realmente tinha importância estivesse prestes a se perder. Isso era Isabela, por mais que eu fosse o que estava prestes a morrer.
Eu vi um jumper chegando perto do avião. Ele ia entrar e lá dentro provavelmente mataria todos. Gritei pra ele, e ele correu na minha direção. Os infectados estavam chegando e ao avião tinha que decolar. Andei até o celeiro lentamente.

-    Decola! Vai, porra! - gritei

Estavam longe demais para me ouvir, então fiz sinais com as mãos. Isabela estava gritando. Chorava muito. Augusto segurou ela, porque tentou sair do avião. Aceleraram e decolaram. Vi a roda do avião acertar a cabeça de um infectado.
Minha cabeça estava a mil. Talvez fosse essa a provação com a qual sonhei. Eu tomei uma atitude humana naquele momento. Pra uma pessoa que viveu como um psicopata que nunca se conectou com ninguém, aquilo foi uma bela conquista. Todos se salvaram por mim, e eu seria sacrificado. Provavelmente Isabela conseguiria se virar sem mim. Afinal, que era eu senão uma grande farsa? Ela pensava que eu era um herói, um anjo. Mas eu não era nem demônio. Não era absolutamente nada. Só um quadro em branco para alguém fazer os desenhos que gosta.
A porta do celeiro era dupla, mas só uma podia ser aberta. Me apoiei na parte bloqueada e abri a parte livre. O homem atirou lá de dentro, e então entrei. O sargento me ensinou sobre armas. Ele ficava falando comigo sem eu perguntar nada, mas eu gostava de ouvir. Só nunca falei nada digno de volta. Por isso eu sabia que aquilo era uma espingarda de caça. Que o homem teria de colocar balas na arma para poder atirar de novo.
Depois do tiro eu aproveitei o tempo em que ele recarregava e entrei. Ele jogou uma faca na minha direção, mas errou.

-    Sir, calm down.

O homem tirou o chapéu de palha que tinha na cabeça. Um velho. Sua esposa levantou a cabeça. Estava do lado dele.
O barulho dos infectados ficou próximo demais, então subi numa escada para o segundo andar. Derrubei a escada.
O velho chegou perto da escada para levantá-la, mas assim que tocou nela os monstros invadiram. Foi tudo rápido, eles mataram os dois. Nem tiveram tempo para gritar. Ou talvez os gritos tenha sido suprimidos pelos berros dos infectados, que lotaram o lugar.
Pensei que talvez se eu não tivesse derrubado a escada ele teria conseguido subir. Mas ele não estava atrás de mim. Na verdade estava atônito e antes de eu chegar lá em cima ele nem se aproximou da escada. Provavelmente não conseguiria subir a tempo.
Mesmo assim, até hoje eu continuo com um profundo sentimento de culpa em relação a isso.
Eu ainda estava com a água e com as barras de cereais, mas não abri as barras pra não fazer barulho. Perdi minha arma quando caí na estrada, mas mesmo assim eu nunca conseguiria enfrentar os infectados. Eu só estava prolongando meu sofrimento escondido naquele monte de feno, mas não consegui me entregar. Tive medo.
O tempo foi passando, mas eu sempre me assustava com cada barulho lá de baixo. Sempre pensava que um jumper me encontraria. Afinal, ele poderia só pular até ali e me encontrar.
Meu vazio aumentou bastante naquele momento. Só então eu pude perceber como a presença de Isabela fazia falta. Eu ficava pensando nela. Será que estaria bem?
Com certeza se tivesse descido do avião estaria morta. Ou talvez eu estaria morto. Não sei.
Anoiteceu e tinha um buraco no teto ali. Na verdade parecia como que uma janela enorme que estava aberta. Eu quis ver a lua. Seria uma ótima ultima visão.
Me movi com cuidado e consegui não fazer nenhum barulho. Mas foi uma perda de tempo, porque o céu estava cheio de nuvens. Começou a chover logo, e isso afastou os monstros. Achei estranho, mas agradeci. Nem sei bem ao que eu agradeci, mas senti essa necessidade.
Não vi a lua, mas senti um pouco de esperança de sobreviver um pouco mais.
Pensei que aquelas nuvens poderiam causar uma turbulência no avião. Geralmente cancelam vôos em dias de tempo fechado. Criei uma imagem na minha cabeça. Seria hipocrisia, depois de toda a merda que eu já disse na vida, pedir a Deus que os ajudasse. Mas eu queria poder ajudar em algo, porque me senti completamente impotente. Queria que Isabela ficasse bem e que eles encontrassem um lugar seguro. Que conseguissem sobreviver e tirar algum prazer da vida. Algum prazer para o espírito.
Olhei pro primeiro andar do celeiro. Havia um infectado escondido. Estava se protegendo da chuva. Fiz um som e ele correu imediatamente para fora do esconderijo. Quando a água caiu nele, se assustou e fugiu do celeiro.
Parecia absurdo que, tendo medo de água, ele tenha decidido sair do celeiro. Estava até caindo alguns raios lá fora. Foi como ver uma pessoa fugir de um som de pistola em direção a um tiroteio de metralhadoras. Minhas analogias com armas estavam ficando cada vez mais freqüentes. Talvez por causa do hábito. Fiquei com medo de descer, mas comi. Estava com muita fome. Depois de comer e beber água eu me senti confortável. Talvez eu não estivesse tão bem alimentado quando imaginei. Não sei dizer.
Dormi no chão, apesar de haver feno, que era mais fofo. Incomoda o meu rosto o contato com aquilo.

Eu estava deitado numa cama de solteiro. O lugar era estranho. Havia um computador antigo no qual uma impressora moderna estava conectada. Uma pilha de papel estava na mesa. Imaginei que havia sido recentemente impresso.
Gaia entrou no quarto.

-    Minha deusa. A que devo a honra da sua visita?
-    Debaixo da pilha de papel você encontrará o seu verdadeiro teste. Todo o atual evento era seu destino. Espero que dê tudo certo.

Antes de eu falar qualquer coisa ela desapareceu e eu acordei. Novamente no celeiro.
Pela manhã eu desci. Não era alto demais, então me pendurei para isso. Estava tudo completamente vazio. Eu não ouvia som algum. Senti algo como liberdade e desespero. Eu estava vivo, mas estava só. Sempre valorizei a liberdade, mas por mais que naquele momento eu me sentisse feliz, não era o bastante.
Andei pelo locar e achei uma casa. A porta da frente estava trancada. Dei a volta e achei um trailer. Pensei em dirigir, mas concluí que era inseguro demais. Por mais que a maioria dos infectados tivesse corrido para um lado da estrada, deixando para o outro algo perto de meia dúzia, eu não conhecia o lugar. Onde eu iria parar, que estrada deveria tomar?
Eu simplesmente não sabia para onde ir e nem onde estava. Seria burrice dirigir.
Apesar disso, entrei e testei o trailer. Estava funcionando e com o tanque cheio. Peguei uma faca que ficava numa pequena cozinha ali e fui em direção à casa. Aquilo poderia ser meu refúgio ou a minha condenação.
Apesar de que eu me assustava sempre que estava por entrar num novo cômodo da casa, não encontrei nenhum infectado ali. A casa estava vazia.
O último quarto no qual entrei era exatamente igual ao do sonho. A única diferença é que a cama estava arrumada. Levantei a pilha de papel, que estava embalada numa espécie de envelope de plástico e uma folha caiu no chão. Estava escrito a seguinte coisa nela:

Imagine essa cena fictícia como se fosse real e tente responder à pergunta que a segue.

Certa vez, um homem foi condenado por seus crimes à uma prisão perpétua. Nessa prisão, que na verdade era um pequeno planeta, só existiam andróides. Esses robôs possuíam forma humana e simulavam o que ele quisesse. Assim, eles falavam apenas o que ele queria e faziam tudo o que ele mandava. Além disso, todos eram extremamente atraentes, cheirosos, carinhosos e dedicados a servir a todo o custo. Inclusive à satisfação sexual, pois havia robôs representando ambos os sexos.

Depois de um tempo preso no planeta, o homem se matou.

Por quê?


Soube que aquela pergunta era a resposta para os meus problemas, mas não sabia o motivo e nem qual era a resposta. O momento sozinho foi oportuno, afinal...

1 comentários:

Duan Conrado Castro disse...

revisão ortográfica

Como ele sabia daquilo[?]. Será que tão rápido ele percebeu? Nunca pensei nisso com atenção.
Não tudo tão simples no mundo real.
estados unidos.
estados unidos
Nessa fazendo poderemos
augusto
Vi a roda do avião acertar a cabeça de um avião.
Afinal, que era eu senão uma grande farsa.[?]
subir à tempo.
queria pedir ajuda algo