domingo, 29 de novembro de 2009

Capítulo 18


A caça à bruxa é algo que agrada a muita gente. Não me surpreende que esse hábito tenha se tornado comum. Pois o ser humano é cego quando precisa olhar para si mesmo. Poucos são os homens capazes de tal façanha. A maioria simplesmente descobre seus próprios demônios no outro, e quando isso acontece o outro precisa sofrer. Porque quando se caça uma bruxa, a entidade combatida existe na verdade dentro do próprio sujeito. Triste é o destino de quem leva uma vida inteira caçando bruxas e no final descobre que a bruxaria reside em seu coração.

- Bora Rodrigo. Sobe aí porra! – disse Glauco, o motorista do jipe.
- Vai, Rodrigo. Encontra tua família – disse o sargento Matheus. – to com a pistola aqui. Vou me matar.

Rodrigo subiu no jipe e deram meia volta. Com um fuzil de bala silenciada ele começou a acertar os mortos que os perseguiam. Não durariam muito fugindo dos jumpers, principalmente porque eles se movem mais rápido entre as árvores. Mas no meio da estrada havia uma passagem subterrânea que foi aberta quando eles chegaram e fechada logo em seguida. Não havia iluminação no túnel a não ser pelo farol do carro.

- Caralho, Glauco. Essas porras desses zumbis vão seguir a gente até o esconderijo?
- Não. Tem atiradores com visão noturna aqui. São dos melhores. Eles limpam a área quando entram zumbis.

O atirador da metralhadora estava com um holofote e acertava os que podia ver. Era um longo túnel. Rodrigo não tinha o que fazer naquele carro, e os pensamentos ruins o assaltaram, como sempre. Não era pro Matheus ter morrido. Ele estava pronto para vir pra cá de helicóptero. Só não foi porque ficou para ajudar Rodrigo a encontrar a família. Ele sacrificou a vida por Rodrigo. O remorso o corroia por dentro. Ele tinha que falar alguma coisa para aliviar o stress.

- Como que ta a Silvana? – perguntou Rodrigo
- Tua mulher? Ta tranqüilo, cara. A gente combinou a data na moral. Ainda falta um mês pra liberarem ela pro abate. – respondeu Glauco.
- Porra nenhuma. Eu to aqui. Tem mais abate com ela não. Eu agora to aqui.
- Tá tranqüilo. Tu tem que ver como o negócio está lá. Essas porras saem e só voltam com mulher. Ta cheio, lá. As mulheres que seduzem melhor são as que os soldados preferem. Daí elas ganham mais comida. Irônico que uma mulher chupe um pau por causa de comida, não?
- Comida... porra nenhuma. É tudo puta mesmo. Chupava de graça qualquer um antes dessa merda. É tudo igual, essas porras. Mulher é sempre puta.
- E a sua mãe?
- Minha mãe era uma vadia.
- E a sua mulher?
- Piranha também. Nem sei porque eu gosto tanto dela.
- E a sua filha?
- Vai tomar no cú, cara! Minha filha é criança. Não vou deixar transformarem ela em puta.
- Beleza. Sem stress aí.

Saíram do túnel e chegaram num portão grande. Havia barricada ali com metralhadoras silenciadas. Assim que o carro saiu, colocaram uma rede na entrada. Um jumper pulou pela saída e ficou preso. Deu um berro antes de o matarem. Começou a confusão por causa do berro.

- Porra, sabia que não era pra deixar esse babaca na portaria. Porra, parece que nem sabe o que é um fuzil. Esse grito vai trazer uma porrada de zumbi pra cá e esse merda vai ter que carregar todos os corpos. Num fode! – estava gritando Frederico, o comandante.
- Coronel! – disse Rodrigo entusiasmado.
- Fala, capitão! Conseguiu, em? Já tava aqui me preparando pra comer sua mulher.
- Tira o cavalo da chuva! Agora só come minha mulher quem me matar primeiro!
- Perder um atirador como você por causa de uma boceta? To fora. Tá cheio de mulher aqui. – respondeu Frederico.

Sorriram e se abraçaram. Foi um abraço rápido de cheio de tapas das costas. Pareciam ter algum problema com expressar carinho. Rodrigo conhecia alguns dos militares servindo ali.
Era um casarão enorme. Parecia preparado literalmente para guerra: havia proteção antiaérea.

- A Silvana ta aonde? – perguntou Rodrigo
- Terceiro andar. Lá pro lado direito com as velhas. – respondeu um soldado.
- Ta com as velhas por quê?
- Crianças também. Ali ficam as pessoas inúteis.
- Ela é inútil? Pelo que eu sei, ela cozinha bem pra caralho.
- Não, maluco. É que ninguém come ela. As esposas ativas ficam no subsolo. Lá é mais protegido e tudo. É até mais confortável.
- Maluco é o caralho. Olha o respeito, soldado.
- Desculpe, senhor. Nós perdemos nosso antigo senso de disciplina desde que tudo isso começou.
- Pois é melhor começar a procurar o que perdeu. Sem disciplina nós somos iguais a aqueles cadáveres lá fora. Pra isso aqui funcionar tem que ter ordem.
- Sim, senhor.

A mansão era cheia de placas improvisadas. Separaram tudo em setores. Rodrigo foi ao banheiro. Estava muito nervoso. Lavou o rosto, molhou o cabelo. Olhou no espelho. Tava ficando careca cedo...
O lugar estava fedendo. Não era merda. Abriu a porta do vaso e achou um cadáver. Um homem se matou ali. Uma tremenda sujeira. Porque não se matou ao ar livre? Parece que tem gente que gosta de dar trabalho pros outros.
Rodrigo pegou o fuzil dele. Todo sujo de sangue. Limpou com papel higiênico enquanto saia. Chamou um soldado que estava na porta comendo uma maçã.

- Soldado. Vai pro banheiro e limpa a bagunça lá. Um sujeito se matou.
- Quê? Porra, é meu dia de folga!
- Eu não te perguntei nada, soldado. Você recebeu uma ordem. Você me entendeu? Agora fiz uma pergunta. Você me entendeu!?
- Sim senhor. Porra, nunca ninguém se matou nessa merda. Tinha que ser no meu dia de folga! Sacanagem. – murmurou o soldado enquanto ia para o banheiro.

Rodrigo colocou a bandoleira da arma nas costas. Ele sempre se sentia mais seguro quando bem armado. Aquilo ajudou a aliviar a tensão. Depois de tudo, era até difícil olhar pra ela. Mas era mais difícil não olhar. Desde que tudo isso começou, a única coisa que ele pensava era que queria estar com a família. Queria poder proteger a família. Pensou em falar pra ela que foi ele que mandou salvarem ela e a Joaninha. Mas preferiu não falar. Não queria que parecesse que ele só queria consertar as coisas. Preferia sentir pra si mesmo que o que ele fez foi por puro carinho. Pra um filho da puta e de um estuprador, até que aquilo era bem nobre.
Subiu pelas escadas. Muito pomposas, cheias de enfeites. Mas estavam marcadas pelos coturnos. Até que estava limpo, mas o tapete estava já gasto. O teto era muito alto, e por mais que só tivesse três andares, parecia ter bem mais. Meio estranho, isso, porque geralmente isso se faz pra evitar o calor. Mas estavam no sul.
Chegou no terceiro andar, e uma velha o abordou.

- Você é de alta patente, não é?
- Eu sou capitão.
- Rosângela! É capitão! Corre aqui!
- Preciso ir, senhora.
- Espera só um pouco. Você vai gostar.
- Que é?
- Uma mulher de uns quarenta anos saiu com uma menina de uns quinze. A menina não tirava os olhos do chão.
- O que acha?
- O que acha do que? Seja direta.
- Ela já está velha o bastante. Faz quinze semana que vem. Você quer?
- Olha, eu já sou casado. Minha mulher e minha filha estão aqui. Como vocês podem oferecer a menina assim? Isso é escroto!
- Não é casado! – disse Silvana no fim do corredor. – nos divorciamos a mais de sete meses.

As mulheres não entenderam muito bem a situação. Não sabiam se deviam ter esperança. Interessante como é fácil as pessoas ditas civilizadas tentarem vender uma menina como escrava sexual por comida. As pessoas são tão desprezíveis como sempre foram.
Silvana entrou e fechou a porta. As mulheres falaram alguma coisa, mas Rodrigo não prestou atenção. Seguiu pelo corredor até o quarto de Silvana. Bateu na porta.

- Abre aí. Só pra gente conversar. Eu não vou fazer nada. Prometo.
- Vai embora, seu merda!
- Por favor. Deixa só eu te olhar de perto.
- E dizer que você se sacrificou por mim? Até com uma tragédia dessas você quer fazer barganha?
- Eu não me sacrifiquei. Do que você está falando?
- O cara que me tirou de casa que falou. Disse que você atraiu os monstros pra ele poder sair e me buscar. Achei que você tava morto. Eu dei graças à Deus.
- Deixa eu entrar. Por favor. Cadê a Joana?

Silvana abriu a porta. Estava com o olho direito roxo e inchado. Ainda assim era delicada, linda. Nunca ele conseguiu entender o que ele tinha para atraí-la. Ela tão delicada, ele tão bruto. Se não fosse por Joana, com certeza ela nunca teria casado com ele.

- Que foi isso?
- Não é nada. Eu caí.
- Fala a verdade, porra! – gritou ele.

Silvana tentou fechar a porta, mas ele entrou. Segurou nos braços dela e repetiu a mesma fala. Estava visivelmente furioso.

- Que foi? Só você que pode me bater agora? Acha que eles não me comeram até agora porque te respeitam? Quando você vira as costas eles cospem em você.

Ele ficou sem ter o que dizer. Largou o fuzil e a abraçou. Ela não correspondeu. Tentou se soltar, mas ele apertou. Não o suficiente para machucar, mas o bastante para ela não conseguir se soltar sozinha. Muito frágil.

- Me solta, Rodrigo.
- Ta.

Ele a soltou e limpou os olhos. Ficaram cheios de água, mas não chegou a chorar. Ele nunca chorava perto dela. Olhou ao redor. Havia uma cama enorme. Uma poltrona e uma porta. Levava a um banheiro enorme.

- Cadê a Joana?
- Ta na aula.
- Aula? Caralho, tem escola aqui é?
- Aula de tiro.
- Quê? Porra, ela só tem cinco anos. Nem agüenta uma pistola.
- Com militar não tem discussão. Disseram que ela já tem que crescer aprendendo a atirar. Que é a única coisa útil de verdade pra ela aprender nesse mundo.
- De certa forma é verdade. Mas ela é pequena demais.
- Ela cresceu desde a ultima vez que você a viu. Você a abandonou com cinco anos, mas agora ela já tem seis.
- Não fala merda. Eu não abandonei.
- Você ficou um ano sem nem ligar pra ela. Se isso não é abandonar, então o que é?
- Vergonha. Eu tinha medo de falar com ela e ela ter medo de mim.
- Você tem vergonha? Você se importa? Você é uma farsa, Rodrigo. Só quem vive perto de você que sabe como você é por dentro. Podre.

Rodrigo olhou para o chão. Sentou na poltrona e colocou a mão na cabeça. Pela primeira vez, uma lágrima saiu do seu olho na frente dela. Não conseguiu segurar, mas limpou antes de ela poder olhar.

- Sabe o que me manteve vivo esse tempo todo?
- Seu fuzil. Só ele te trás segurança. Lembra que foi isso que você me disse?

Ele tirou uma foto do bolso. Intacta.

- Lembra naquele dia em que fomos na praia. A Joana tinha um ano e meio. Conseguimos tirar uma foto do brilho que ela tinha nos olhos. Isso me manteve vivo. Eu lutei esse tempo todo porque eu queria ver minha menina de novo. Eu sei que não tenho mais nenhuma chance contigo. Depois de toda a merda que eu fiz, nem mereço. Mas deixa eu ficar perto. Deixa eu conviver com a minha menina.

Ficaram em silêncio por alguns instantes.

- Você não precisava sumir, sabia?
- Porquê?
- Ela não lembra do que você fez. Quero dizer, ela só lembra da nossa última briga. Mesmo assim, ela não entende o que aconteceu. Ela sempre me pedia pra te chamar pra casa. Ela não tem culpa do pai que tem.

Ele não agüentou segurar o choro. Caiu da poltrona de joelhos no chão e começou a chorar amargamente. Abaixou a cabeça no chão. Silvana não reagiu. Pensou que fosse mais uma das mentiras dele. Como ela poderia confiar nele, afinal?
Ela foi pro banheiro e começou a escovar os dentes. Quando terminou ele já tinha parado de chorar. Só estava sentado no chão apoiado com o braço direito na poltrona.
Todas as noites em que ele lutava contra o telefone e não conseguia ligar. Até aquela vez que ela atendeu e ele não conseguiu falar. Tudo em vão. Ele viveu aquele tempo todo longe da filha, do tesouro dele, sem necessidade. Ele sentiu algo como ressentimento contra si mesmo, mas no fundo estava alegre. Sua menina não o odiava. Não o temia.
Ele se levantou e saiu do quarto. Silvana o seguiu até a porta.

- Pergunta onde é a aula das crianças pro soldado da porta. Ele vai te mostrar.

As mulheres estavam murmurando no corredor. Perceberam pelo olhar dele que ele não tinha chance. Não falaram mais com ele, mas ele ouviu do corredor alguns comentários avulsos. Deduziu que tentariam arrumar um jeito de empurrar a menina para ele. Como elas ousavam? Aquela menina era a Joaninha de alguém. Ela tem um pai. Ou tinha. No entanto, era bem gostosa pra idade. No fundo ele queria comer a menina sim. Mas algo o segurava. Alguma coisa que ele nunca havia considerado com atenção. Era errado.
No primeiro andar ele se deparou com o soldado arrastando o corpo sozinho. Nem sangrava mais. Pegou os braços do cadáver e o ajudou. Carregaram até a área externa e jogaram em cima de uma pilha de corpos que ficava de frente pro muro. Estava fedendo.

- Esses corpos ficam aí mesmo?
- Até amanhã. Os caminhões saem cheios de corpos e voltam cheio de mantimentos.
- Não infecta a comida?
- Não. Eles limpam direitinho. Além disso eles colocam tudo em saco.
- Beleza soldado. E desculpa por te fazer trabalhar no dia de folga.
- Sem problema, patrão. Eu não tava fazendo nada mesmo. Valeu pro me ajudar com o corpo.
- Tá limpo lá o banheiro?
- Ainda não. Mas ta quase. Esse corpo lá só atrapalhava a limpeza. Vou terminar agora.
- Isso aí, soldado. Quando o corpo não agüente, a moral sustenta.

O soldado sorriu inspirado. Parece que ele realmente respeitava Rodrigo. Mesmo nos momentos de crise ele sempre conseguia manter a imagem.

- O senhor viu que o cara deixou um bilhete?
- Vi não. Cadê?

Ele pegou o bilhete e leu. Relativamente curto. Tinha a objetividade de um militar.

“Escolhi a forma menos dolorosa para morrer. Ninguém vai chorar no meu túmulo. Seremos destruídos muito em breve, e eu já cansei dessa luta por sobreviver. Viver pra quê? Quem não se matar também, vai sofrer muito mais.”

Rodrigo devolveu o bilhete pro soldado e não falou nada. Lembrou que ele também queria se matar. Se não fosse pelo Matheus, ele teria feito o mesmo que o soldado. Decidiu ir até a aula da filha. O soldado apontou a direção e ele seguiu. Chutava pedras, olhava para os muros. Fazia de tudo para não dar abertura aos maus pensamentos. Mente vazia é oficina do diabo, dizia ele. Se você fica parado, começa a pensar merda. Por isso que ele sempre detestou as folgas. Quem não tem trabalho e ocupação começa a inventar merda. Por isso que tem tanto moleque vândalo por aí. É o que ele pensava.
Entrou na sala. Era originalmente usada para gravar músicas, mas estava sendo aproveitada para os tiros, pois não se podia ouvir os sons lá de dentro.
Joana não estava atirando. Só assistia os maiores atirando. Apesar de a pistola carregada pesar em torno de um quilo, o impacto do disparo era grande demais para alguém do tamanho dela.
Rodrigo ficou perplexo com o tamanho da menina. Como cresceu, nesses meses. Ficou com medo de ela não o reconhecer, então esperou do outro lado do vidro. Ela estava de costas, então não o viu. O professor, embora fosse firme, era bem amistoso. Ensinava as crianças como sobreviver perto dos monstros.

- É importante vocês lembrarem. Não tentem lutar ou fugir. O melhor a se fazer é se esconder e esperar os monstros se afastarem. Nunca saiam sozinhos do limite da mansão. Entendido? Qual é o nosso lema?
- Criança boa é criança esperta! – gritou a turma.
- Acabou por hoje.

As crianças se levantaram e saíram correndo. Joana ficou na sala. O professor deu uma barra de chocolate com ela e se sentou ao lado dela. Começaram a conversar. Ele não ouviu muito bem o que falavam, mas a menina parecia animada. O homem viu Rodrigo e pediu para a menina esperar. Ela nem se importou em olhar pro outro lado do vidro. Só pegou um papel e começou a desenhar, enquanto comia o chocolate.

- Sou o soldado Apolinário. O senhor precisa de alguma coisa, senhor?
- Só estava olhando. Cheguei apenas recentemente.
- Sim, eu soube. O senhor é o capitão Rodrigo, certo?
- Sim. Porque a menina não saiu com as outras crianças?
- Ah, ela se apegou a mim. Não sei os detalhes, mas parece que o pai dela faleceu nessa tragédia. Eu gosto disso, porque eu também tinha uma filhinha que perdi. Acho que acabamos ficando próximos porque precisávamos um do outro. Muito bem comportada, ela.
- E a mãe dela?
- É a mulher mais magnífica que eu já conheci. Ela tem pulso firme, mas é tão delicada. É linda e tem personalidade forte. Joana me apresentou a ela, mas ela não foi muito com a minha cara. Acho que pensou que eu estava usando a menina para me aproximar.
- E não estava?
- Não, senhor. Mas depois de conhecer a mãe dela, senti vontade de me aproximar.
- Então quer dizer que você já está formando uma nova família?
- Queria formar, mas acho que a mãe dela não quer nada comigo. Só passamos algum tempo juntos por causa da menina. Normalmente eu diria que é por causa da minha patente, mas ela parece não ligar muito pra isso. Soube que ela bateu no Coronel.
- E ele não fez nada?
- Quê? Coronel não fazer nada? Deu um murro nela. Fiquei puto, mas vou fazer o que? Se eu peitar o coronel eu to é fodido, e mesmo assim eu ia me arriscar. Ela que não deixou.

A menina saiu do outro lado da sala e puxou o braço do soldado. Ela nem olhou pra Rodrigo. Mostrou-lhe um desenho que ela fez.
Muito bem feito pra uma criança da idade dela. Ela desenhou uma família e o Soldado era o pai. Rodrigo ficou indignado e saiu de lá. O soldado nem o viu saindo. Ele gostou do desenho.
Foi direto pra o quarto de Silvana. Uma senhora que dividia o quarto com elas o avisou que ela estava no refeitório. Estava cozinhando. Enquanto ele andava pra lá, pensava no que falar com ela. Apesar de ele começar a formular frases na cabeça, ele sempre parava no meio. Ele simplesmente não sabia o que dizer.
Chegou lá e ela estava servindo a comida. Joana entrou com Apolinário. Estava de mãos dadas com ele. Rodrigo se sentou num canto escondido e ficou observando. Os olhos de Silvana brilhavam enquanto olhava para o soldado, mas ela ainda permanecia desconfiada.
Mas o brilho era o mesmo que ela tinha no começo do namoro deles. Ela estava apaixonada.
Rodrigo ficou furioso, mas não tinha nenhuma maneira de culpar ninguém. Pela primeira vez, ele sentiu ódio de si mesmo e não fez nada para fugir desse pensamento. Saiu do refeitório improvisado e foi pro pátio. Queria um pouco de ar puro.
Silvana continuou sem ele e estava já formando outra família. Até a filha dele já tinha trocado de pai. Ele sentiu ódio, mas não sabia bem a quem odiar. Percebeu que sentia ódio por si mesmo, mas isso não lhe era natural. Então ele começou a pensar em quem era o culpado por tudo aquilo.
Não foi muito longe, porque a senhora com a menina que ela oferecia o abordaram.

- O senhor está bem, capitão?

Ele tentou ignorá-las, mas a roupa da menina o chamou a atenção. Ela parecia menos tímida e o olhava nos olhos. Eram brilhantes olhos verdes. Não expressavam qualquer alegria. Pelo contrário, eram um tanto vazios. Ela tentava passar um brilho que talvez tenha tido um dia, mas que já não tinha. Seus cabelos eram lisos e loiros. Pareciam bem penteados, embora não muito bem tratados por causa da ocasião.

- O mundo acabando e você me faz uma pergunta dessas? – ele disse tentando ser o mais agressivo possível.
- É que mais cedo lá dentro o senhor não parecia assim tão abatido. Não quer tomar um café e conversar?

Por mais estranho que aquilo parecesse, a menina o atraía. Ele não soube dizer se foi pro quarto da velha por causa dela ou só porque queria conversar. Talvez as duas coisas.
Elas o levaram, cada uma segurando em um dos seus braços, para o quarto do qual saíram na primeira vez que eles se encontraram. Estava muito bem arrumado e limpo. A mulher que provavelmente era a mãe da menina estava preparando o café. Ele adorava aquele cheiro. O sentaram numa cadeira acolchoada que ficava de frente pra uma mesa pequena.

- Então você já descobriu? – perguntou a senhora idosa.
- Descobri o que?
- Que a sua ex-mulher já tem outro.
- Ela não tem nada com ele.
- Mas andam juntos de cima pra baixo. São como uma família aqui já. Acho que eles só não tiveram nada porque o Coronel decretou que ninguém poderia fazer nada com ela até o mês que vem.
- Ela pensava que eu estava morto. Isso vai mudar.
- Olha, filho. Sei que tudo isso é muito difícil. Mas você não controla tudo. Às vezes é melhor seguir adiante na vida, sabe? Bola prá frente!
- Esse café está muito bom. – disse ele mudando de assunto.
- Eu fiz pra você, disse a mulher.
- Agradeço a generosidade, mas eu realmente preciso de um tempo sozinho pra colocar a minha cabeça no lugar.
- Tudo bem. Enquanto estiver pensando, lembre do que te falei.

Ele se levantou e olhou para a menina. Como que aquela mini-saia foi parar ali? Talvez elas a tenham encontrado na mansão. A pele dela era lisa. Parecia muito macia. Ele se despediu e saiu. Meio atormentado, desceu as escadas e se encontrou com o coronel. Queria espancá-lo, mas não fez nada,

- Vem comigo, Rodrigo. – disse Frederico
- Pra onde?
- Pra minha sala. Fiz um uniforme pra você. Na verdade é de outro capitão, mas eu troquei os nomes. Só tinha menos medalhas que você, mas eu sei bem do seu mérito.

Foram até o subsolo da mansão e entraram num local que parecia a zona segura daquela casa na ilha. Só era um pouco maior. Lá dentro havia uma mesa com quatro cadeiras, um sofá, uma TV de plasma e alguns eletrodomésticos. Ele tirou o uniforme do armário e deu pro Rodrigo.

- Saiu da lavanderia agora. Tem outro lá pra reserva que nós catamos de um cadáver. Inteirinho, até.

Rodrigo se sentou na cadeira e abaixou a cabeça. Queria dormir, ou morrer. Não sabia direito.

- Ta cansado, cara?
- Um pouco. Mas não quero ficar parado. Aliás, eu quero sim.
- Quer ou não quer?
- Eu não sei.
- Capitão Rodrigo sem saber o que fazer? O mundo tá girando ao contrário?
- Porra, pelo que eu saiba o mundo acabou.
- Tu ta assim por causa da Silvana, não é?

Rodrigo não respondeu. E Frederico continuou.

- Porra, vai se deixar abater por causa de mulher? Maluco, a gente aqui tá na lei da selva. Tu é capitão. Bota moral nessa porra.
- Não quero assustar a minha filha.
- Ah sim. Aí é complicado. Mas ta cheio de mulher aí, cara. Tu arruma outra.
- Preciso de ar fresco.

Uma garota entrou na sala. Parecia nova, mas era mais velha do que a outra que estavam oferecendo pra Rodrigo. Parece que ela estava esperando ele sair. Rodrigo acenou com o sinal comum entre os militares e saiu. Subiu as escadas e saiu da mansão. Na parte de trás da mansão havia um jardim. Estava bem cuidado. Provavelmente alguém estava regando as flores. Lá dentro havia uma espécie de varanda, onde estava pendurada uma rede. Depois de verificar que estava tudo limpo, ele se deitou. Abraçou o fuzil e pegou no sono. Depois que pegou no sono, derrubou o fuzil e se encolheu quase num formato fetal.

Ele estava na mansão. O quarto dele, que nem havia sido definido, era na verdade o da menina, e o dela ficava na frente, onde havia janelas na mansão original. O ambiente era parecido e ele se sentiu na mansão, mas estava alterado. Ele foi pro colégio com a menina, e conversou com ela. Era uma menina graciosa e excitante ao mesmo tempo. Ele escreveu uma carta pra ela. Nessa carta ele declarava amor por ela, mas no íntimo ele não via em si tal amor. Só a desejava o bastante para estar disposto a mentir. No fundo, ele não sabia se estava mentindo.
Assim que ela recebeu a carta, veio ao quarto. Estava de biquíni, e ele ficou com a atenção presa nas pernas dela. Tão torneadas. O rosto da menina parecia mais jovial. O corpo, pelo contrário, era bem parecido com o original. Era como ver a menina antes da tragédia.

- Era isso que você tinha a me dizer? Por que não me disse antes? – ela estava sorrindo, mas ao mesmo tempo confusa.

Naquele momento, ele desejava a menina, mas tinha medo de perder Silvana, que aparecia em sua mente. Ele não conseguia se decidir, mas no sonho ele decidiu aceitar a menina. Sabia que não tinha chances com Silvana. Que ela, naquele momento, não passava de um fantasma. Mesmo assim, ele sabia que só podia jurar amor a ela.

Acordou antes de responder à pergunta da menina. Já estava escuro. Dali ele conseguia ver a lua. Pensamentos sombrios, os mesmos pensamentos de sempre, começaram a assolar a mente dele. A fera estava gritando dentro dele. Era a hora do abate. Foi até a mansão e até a casa da menina, e ela estava sozinha. Quando o viu na porta, ficou toda vermelha. Convidou-lhe a entrar, e ele não perdeu sequer um segundo.
Agarrou-a para junto de si. Ela não esboçou reação. O primeiro beijo foi como beijar um defunto. Ela nem mexeu a boca. No segundo ela deixou fluir. Ela nem sabia bem o que estava fazendo, mas estava fazendo. Deitou a menina na cama. Ela parecia nervosa. Ele sentiu o coração dela acelerado. Não fez questão de acalmá-la. Ele gostava daquela tensão. Puxou a saia que ela estava usando. Não era mais a pequena, mas era bem frouxa. Ela estava usando uma ceroula bem estranha. Provavelmente por falta de opção. Não tinha muito pelo na virilha e nem os pubianos. Pareciam ter sido meticulosamente aparados recentemente. Foram preparados para ele, talvez?
Tirou a ceroula dela. Não se importou com a blusa. Ela nem tinha peitos tão grandes. Mas ele queria é a dor dela.

- Espera. Vai devagar. É a minha primeira vez. – disse ela bem baixo.

Ela tinha uma voz bem grossa. Ele imaginou que a voz seria mais fina.
O sorriso maldoso ficou imprimido no rosto dele. Ele encontraria sangue. É o que ele estava procurando. Queria ver aquele rostinho loiro esboçando dor. Tudo aquilo o excitou muito rápido, e ele nem tirou a roupa toda. Só abaixou a calça e segurou as pernas dela por debaixo do joelho. Não esperou muito. Entrou com violência. Ela gritou. Tentou empurrar ele, mas não conseguiu. Era muito pesado. Ela tapou a boca e continuou gritando. As duas mulheres entraram correndo. Estavam esperando do lado de fora.
- Larga ela, seu animal! – disse a velha.

A mulher mais nova bateu na cabeça dele com uma bolsa cheia de laranjas e ele caiu no chão. Levantou cheio de fúria e deu um soco na cara dela. Ela desmaiou. Olhou pra menina, se escondendo debaixo do corredor. A cama estava cheia de sangue.

- Eu quero mais.
- Vai embora! – gritou a velha ao se jogar sobre a menina. – Me perdoa, minha filha. Me perdoa.

Ele passou a língua no sangue da cama. Sua expressão era terrível. A menina estava totalmente aterrorizada.
Saiu correndo do quarto pelo corredor e entrou no quarto se Silvana. Ela estava na porta ouvindo o barulho do corredor e quando ele arrombou a porta ela caiu no chão. Bateu a porta e pegou ela do chão. Ela reconheceu o olhar dele. Era o monstro que ele se tornava de vez em quando. Ela deu um murro na cara dele, e feriu a bochecha dele por dentro. Sua boca estava sangrando, e seu sorriso maligno se tornou demoníaco. Empurrou-a contra a cama, mas ela se segurou na parede. Tentou dar um chute no saco dele, mas ele impediu o ataque. Tirou ela do chão e a jogou na cama. Ela não parava de reagir por nada. Jogou uma estatua de vidro que ficava na mesa de cabeceira nele, mas errou. Ele puxou a perna dela, ao que ela chutou seu ouvido. Ele ficou tonto e ela conseguiu sair da cama, mas logo ele a capturou. Pegou ela por trás e a carregou até a cama. Ela se debatia e gritava, mas ninguém fazia nada. Puxou o short dela, e ela conseguiu se virar na direção dele. deu três murros na cara dele. Ele gostava, por isso deixou. Deu apenas um na cara dela, e ela ficou atordoada. Tirou a camisa dela. Estava sem sutiã.

- Seu animal! Sabia que você nunca iria mudar! – gritou ela.

Segurou os dois braços dela só com uma mão e enfiou um dedo dentro dela.

- Ta molhada, né sua puta. Você gosta, não é, sua cachorra?!

Apolinário entrou correndo e puxou ele de cima de Silvana. Começaram a brigar, mas Rodrigo rapidamente o derrubou. Apolinário não desistia. Ele se levantava e lutava, mas Rodrigo era tanto mais rápido quanto mais forte. O derrubou pela segunda vez perto da porta, e ele se arrastou pra porta.

- Vai pra sala do chocolate, Joaninha.
- Você se machucou, tio Apolinho?
- É. Eu caí.

Rodrigo saiu do quarto e Apolinário segurou suas pernas.

- Corre e se esconde. Ele é um deles! – disse Apolinário.

As mulheres que assistiam a cena sabiam que não era verdade, mas a menina fez exatamente o que a ensinaram. Ele foi atrás dela e a encontrou. Ela se escondeu atrás de um vaso de plantas. Quando ela o viu, se apavorou.

- Papai virou monstro! Papai virou monstro!

Ela correu até o quarto da mãe e Apolinário conseguiu se levantar. Seu rosto estava sangrando e seu braço direito estava sobre a costela, enquanto o esquerdo se apoiava na porta. Todos estavam olhando pra ele com horror, e ele de repente se sentiu culpado. Um sentimento de culpa que tirou do corpo dele toda aquela força. Andou cambaleando e desceu as escadas. Pegou a pistola e foi até o jardim.
Ele sobreviveu todo esse tempo porque queria vir até a filha dele e a proteger de todos aqueles monstros lá de fora. Mas os monstros não estavam ali. Ele era o único monstro ali. Ele sempre foi o pior monstro da vida daquela criança. Será que se não fosse por seus pais ele seria como é?
Sem ele, a menina poderia ter uma chance de ser boa. Com ele, ela certamente se tornaria um monstro. Para proteger sua Joaninha, para ser ao menos um pouco generoso, ele tinha que se matar. Ele tinha que por um fim em toda a violência.
Meteu a arma na boca e o coronel Frederico o seguiu. Ele tentou falar alguma coisa, mas na mesma hora um jumper pulou sobre ele e o esfolou com cotoveladas na cara. Rodrigo matou a fera com dois tiros certeiros e correu em direção à mansão. Escondeu-se atrás de um arbusto e viu os jumpers entrando. Eram pelo menos quinze. Eles só lançavam os soldados para fora dos muros. Parou pra ouvir com atenção e percebeu que lá fora havia uma multidão de infectados. Aliás, pelos sons aqueles monstros não estavam infectando ninguém. Aquilo era Blitzkrieg: eles estavam entrando e só destruindo tudo rápido.
A despeito da dita segurança, todos eles foram primeiro pro subsolo. Rodrigo aproveitou a oportunidade e subiu as escadas novamente.
No terceiro andar, as velhas estavam curiosas com o barulho lá fora. Ele correu direto pro quarto de Silvana e fechou a porta, mas ela estava arrombada.

- Silvana, coloca a estante na frente da porta.

Ela saiu com uma vassoura nas mãos e tentou atacá-lo, mas ele se esquivou e tomou a vassoura dela. Ela colocou os braços na frente do rosto, esperando o ataque dele, mas ele só a empurrou pra dentro do quarto. Apolinário saiu e olhou pra ele.

- Entra aí. Agora é você quem vai tomar conta delas. Os jumpers tão aqui e vão matar geral. Fiquem dentro do banheiro e não façam um som. Eles tão aqui só pra destruir, então quando tudo estiver terminado eles vão embora.
- Porque eu deveria confiar em você?

Rodrigo apontou a arma pra ele.

- Não tem que confiar. Se não fizer isso eu te mato. Pega a porra da estante e coloca na frente da porta.

O jumper gritou e os infectados começaram a tentar quebrar o portão. Apolinário chamou Silvana e começaram a empurrar a estante. Os jumpers já estavam no segundo andar. Apolinário jogou um fuzil e munição pra Rodrigo antes de fecharem a porta.
Um jumper saiu pela janela e invadiu o quarto da menina. Ele ouviu os gritos, mas foram logo interrompidos. Os sons de carne se partindo e ossos se quebrando era asqueroso, chegaram, e ele começou a atirar. Derrubou um.
Entraram nos quartos, e ele percebeu que tentariam vasculhar todos. Atirou até eles chegarem nele. Não estavam com pressa para matá-lo. Só queriam se certificar de que todos estariam mortos.
No final do corredor, ele fingiu que estava tentando entrar no quarto. Lá dentro, não se ouviu nenhum som.
Os monstros o derrubaram. Um deles começou a golpear sua costela. Ele podia sentir seus ossos quebrando e o sangue chegando até sua garganta. Os monstros invadiram o quarto da frente, pois uma criança gritou, mas não entraram no quarto de Silvana.
Não o mataram e foram embora. Talvez quisessem deixar um infectado ali só para garantir.
Ele apontou a arma e acertou a cabeça de um deles. Todos voltaram e golpearem seu corpo violentamente. Ele ficou totalmente desfigurado.
Os monstros saíram da mansão e levaram os infectados embora.

1 comentários:

Duan Conrado Castro disse...

revisão ortográfica

- Bora Rodrigo. Sobre aí porra!
- Comida... porra nenhum[a]
Achei que você a tava morto.
- Ta[á]
Você é uma farsa, Roberto. [não é Rodrigo?]
menina denovo.
Porque[ê]?
Viver pra que[ê]?
- Que[ê]?
[À]As vezes é melhor
pra[á] frente!
ta[á] na lei
ta[á] cheio de mulher
e o dela dicava na frente,
Porque não me disse antes?[Por que]
F[o]ui até a mansão e até a casa da menina
O convidou a entrar [Convidou-lhe]
Ela reconheceu o olhar dela.
joaninha.
apolinho?
joaninha
Parou pra ouvir co atenção e percebeu que La fora havia