sábado, 19 de dezembro de 2009

Capítulo 21


O homem se move por amor e ódio. Por piedade e vingança. Cada uma dessas coisas se multiplica quando toma forma. Amor gera amor e ódio gera ódio. E vivemos nessa guerra, onde nenhum parece vencer. Se num lado alguém ama, no outro alguém odeia. Se alguém salva, outro alguém mata. O mundo se constrói e se destrói, e cabe a nós tomar a decisão. Cabe ao ser humano destruir ou construir. Construir dentro de si o paraíso ou o inferno. E não importa quanto tempo passe: Sempre haverá poder dos dois lados. Mas transcender os dois é um passo inevitável...

Major Robert...

Suas lágrimas de ódio banharam o travesseiro. Ele esmurrava as paredes até a mão sangrar. Depois da primeira ferida, o sangue começou a sair com maior facilidade. Ele queria morrer, mas também queria vingança. Ele queria sangue.
É incrível como aquilo o mudou. Na invasão ele conseguiu manter a sanidade, mas não com aquilo. Ele conhecia o Pai de Jack. Ele viu em Jack uma boa pessoa. Um bom compatriota.
Mas ele roubou o avião e abandonou todos para a morte.
Não foi por sorte que Robert se salvou. E nem por sua habilidade excepcional. Foi o destino. Foi deus ou o Diabo dando a ele a chance de se vingar. Ele tinha que destruir a existência de Jack.
O desgraçado não tinha família, não tinha amigos. Ele não tinha soldados contando com ele pra perder. Ele tinha pouco a perder, mas esse pouco ele perderia. Sua loirinha puta, sua vida. O desgraçado tinha que sofrer. Ser torturado por todas aquelas mortes.
Ele percebeu que na rua não havia mais infectados. Eles se agruparam e foram embora. Aquilo que aconteceu no acampamento foi um ataque planejado. Alguém estava controlando aquelas feras. Talvez ele salvasse algum tempo para destruir.

Ele bebeu o resto da água e saiu do apartamento. Desceu as escadas. Lembrou de subir correndo. Fugindo de um infectado. O corpo ainda estava jogado ali. O extintor de incêndio também. Toda a cena foi revivida.
Ele saiu do prédio e viu de perto novamente aquele mar de mortos. Empilhados com lixo. Escalou e foi até o acampamento na esperança de encontrar armas e um veículo. Ele sabia que Jack tinha como destino a base no Canadá. E lá era seu destino. Caminhou pisando nos mortos e espantando os urubus. Seu semblante era maligno. Nada como aquele radiante patriota que daria sua vida por sua nação. Não: Sua nação foi reduzida a pó.

- Major? – gritou um homem

Robert olhou para o acampamento e viu o soldado Kyle. Todo sujo, com algo de esperança nos olhos por vê-lo.

- É o senhor? Está vivo?! – gritou o soldado
- Sou eu, soldado. Eu sobrevivi.
- Wilson! Vem cá! É o Major!

Ele andou pelos corpos e chegou ao acampamento. Tudo destruído. Corpos esfolados por toda a parte. Gente que poderia ter sido salva se não fosse o filho da puta do Jack. Maldito.

- Tem algum carro aqui? – perguntou o Major
- Sim, senhor. Temos um jipe.

Robert se sentou no chão e chorou. Colocou as mãos na cabeça.

- Eu devia ter visto isso vindo. Devia saber.

Os soldados ficaram em silêncio. Também estavam muito traumatizados com aquilo tudo para falar qualquer coisa. Também choraram. Um misto de ódio e tristeza os despedaçava por dentro.

- Eu não sou mais comandante. Não somos mais uma nação.
- O senhor sempre será meu comandante. – disse Wilson.
- Meu também. – disse Kyle

Eles estavam contando com ele. Seus soldados fiéis.

- Vocês sabem o que Jack fez? – perguntou Robert
- Aquele filho da puta. Roubou o avião e nos deixou pra morrer. – disse Kyle. – e é tudo culpa minha. Eu que liberei pra ele entrar lá.
- Eu vou atrás dele e vou arrancar a cabeça dele. Se você quer se redimir. Se quiser se vingar, Venha comigo.
- Eu coloquei combustível no avião pra ele. Eu odeio aquele desgraçado. Que quero destruir tudo o que ele é. Tudo. Tudo o que ele tem. – disse Wilson
- Então trabalhemos juntos. Vamos destruir esse desgraçado. Vamos encontrá-lo e destruí-lo. Nós éramos os protetores do nosso povo. E graças a esse traidor, não há mais ninguém além de nós. Era um avião gigante. Poderíamos ter salvado muita gente. Vou destruí-lo em nome do nosso povo e em nome dos nossos irmãos caídos em combate! Eu vou pisar na cabeça dele!
- Não sozinho. – disse Kyle verificando o pente do seu fuzil.
- Não temos tempo a perder. Vamos pegar a estrada e chegar Ao nosso destino. Não é longe daqui. Temos que organizar nosso estoque de alimentos, água e combustível.
- Tá feito, major.

Robert sorriu. Eles sempre foram ótimos soldados. Sempre lutaram com paixão por seus compatriotas. Mesmo nas situações em que eram usados para fazer o mal, a convicção do bem estava em seus corações. Mesmo nas guerras injustas, eles só lutavam pela convicção de que estavam defendendo sua nação. Sempre foram bons homens. Não mereciam essa traição.

- Muito bem. Então vamos. Sem enrolação.

Correram pro jipe. Wilson assumiu a direção por ordem de Robert, que explicou que iriam revezar no volante. Mas não chegaram longe. O avião estava abandonado na estrada, a 50 milhas do acampamento..
Não fazia qualquer sentido. Como ele não ouviu o som do avião voltando?
O avião estava com a entrada traseira aberta. Eles desceram e entraram no avião. Tinha uma camisinha com um nó e cheia de esperma. Eles devem ter colocado no piloto automático e trepado aqui rindo da nossa desgraça. Comemorando a traição. No pano do banco mais próximo havia uma marca de mordida. Não foi um infectado. Provavelmente foi a puta com Jack trepando e ela mordeu o pano. O ódio de Robert aumentava a cada segundo.

- Major. Ele abandonou o avião porque ficou sem combustível. – disse Kyle
- Impossível. Eu enchi o tanque. – disse Wilson
- Ele foi pro sul, não foi? Logo que decolou ele foi pro sul. Porque ele faria isso?
- Eu soube que ele foi criado por lá. Talvez tenha ido buscar algum parente. – disse Kyle
- É. E voltou pra cá em busca de mais combustível, mas os infectados o pegaram. Vai ver foi o avião que levou os infectados embora de lá. – disse Wilson.
- Que bom... – disse Robert
- Senhor? – disse Kyle
- Nós vamos torturar os parentes dele. Vamos entregá-los aos infectados. Aí ele vai entender a dor que nos causou. Eram meus irmãos, os homens que caíram. Eram a minha família.
- Eu vou esfolar a putinha dele. – disse Wilson. – e vou destruir tudo o que estiver com ele.
- Senhor. Temos que seguir. Não tem nada de útil nesse avião – disse Kyle
- Você está certo. Temos que seguir nosso destino. Só deixem eu destruir algo dele.

Robert pegou sua pistola e atirou na camisinha. Bem na parte onde o gozo se acumulava, amarrado com um nó. Ele cuspiu na direção, mas errou. Nem viu que errou. Não tinha importância.
Saíram do avião e decidiram investigar a casa. Imaginaram que Jack poderia estar lá. Dentro da casa, encontraram a luz da sala acesa. Revistaram o perímetro e não encontraram nada até que Robert notou um detalhe.
Havia uma estante cheia de fitas, que ficavam milimetricamente ordenadas. Mas a que estava no cato esquerdo estava um pouco para fora e o vidro estava aberto o bastante para uma mão tê-la recentemente usado.
O dia estava ensolarado e os painéis de energia solar funcionavam. Robert colocou a fita e viu a formatura.

- Haha! Vejam isso! Que romântico! O traidor também traía a mulher!
- Quê? – disse Wilson
- Olha aí a fita que ele tava assistindo. Formatura antiga. Deve ter sido da época dele. Não foi por acaso que ele parou aqui. Ele conhecia essa mulher. E certamente não era irmã dele.
- Veio aqui buscar a vadia dele? – perguntou Wilson
- Não sei. Mas era importante pra ele. Vou destruir.
- Senhor, dá uma olhada aqui! – gritou Kyle do lado de fora.

Eles saíram e viram a marca no chão. Era uma marca de roda. Provavelmente um veículo grande, como um caminhão ou um trailer. Não tinha como Ele ter avançado tão depressa num veículo desses.
Robert viu uma vaca pastando ao longe. Acertou uma bala na cabeça dela Dalí mesmo.

- Bom tiro, senhor.

O tempo começou a fechar, mas o jipe era coberto. A chuva não seria um problema.
Seguiram pela estrada e viram a marca de pneu. Era Jack. Eram as trilhas que os levariam á vingança. Eles ficaram empolgados com a idéia.
Choveu tanto que eles mal conseguiam ver na estrada, mas continuaram. Foi até estranho, já que o dia estava ensolarado até há algum tempo.
Ele viu animais se abrigando contra a chuva. Estranho que eles não tenham sido mortos pela infecção. Pareciam bem. Havia cães soltos no mato, cavalos, vacas. Eles se abrigavam nas construções, ou algo como construções, porque não dava pra ver muito com a água batendo no vidro.
Jack quis matá-los, mas preferiu não abrir a janela.
Seguiram viagem...

Silvana...

Eles passaram a noite dentro do banheiro. Choveu muito.
Apolinário ainda estava com o rosto inchado das pancadas que recebera no dia anterior. Tudo recente. Despertaram com um galo. Foi estranho, porque eles não criavam galos ali. Um dia de sol.

- Silvana. Ta tudo bem contigo? – perguntou Apolinário
- Ta sim. – disse ela despertando Joana. – tudo bem, querida?
- Ta doendo meu pescoço. – disse a menina
- É que você dormiu no chão. Vai passar.
- Eu vou sair lá e verificar. – disse Apolinário
- Não. Eles podem ainda estar lá.
- Aqui que não podemos ficar mais. – disse ele. – fica aqui com a Joana.
-
Ela não apoiou a idéia, mas também não o impediu de sair. Ele pegou a pistola do chão. A derrubou quando brigava com Rodrigo. Estava carregada, mas travada. Ele não planejava atirar naquela briga.
Destravou a arma e saiu. Imediatamente uma velha infectada sai do quarto berrando e correndo, ao que ele acertou nela um tiro certeiro. O grito dela atraiu outro infectado. Um soldado. Ele atirou no soldado e mais nenhum infectado veio.
O corpo de Rodrigo estava esfolado perto da porta e o braço esquerdo estendido na direção do quarto de Silvana. Apolinário devaneou por uns instantes sobre como teria sido a morte dele e o que ele teria pensado, mas logo se recompôs e começou a revistar o andar. Em todos os quartos encontrava a mesma coisa. Corpos dilacerados, sem cabeça, com o crânio esmagado.
Aquilo não era uma invasão de infectados normal. Era como que planejada. Não fazia sentido. Ele aprendeu sobre os infectados para ensinar ás crianças e sabia que infectados não planejam.
Ele revistou o segundo andar inteiro e disparou um tiro contra um vidro. O som só fez espantar uns pássaros. Não atraiu nenhum infectado. Todos estavam mortos.
Apolinário sentou na escada com a pistola na mão e abaixou a cabeça. Ele não suportava mais aquilo. Tanta morte. Mesmo depois de tudo o que ele passou ainda era terrível olhar para um cadáver. Lembrar que aquela carne morta já esteve viva. Ver seus colegas esfolados no chão. Uns com pavor impresso no rosto. Todo o lugar cheirava a morte. Destruição.
Quase começou a chorar, mas foi interrompido por um som na porta. Apontou a arma impulsivamente e viu um mico. O animalzinho olhou para ele e inclinou a cabeça para a direita. Quando ele se levantou, o mico correu para fora assustado. Provavelmente pensava que Apolinário era louco e agressivo como os infectados. Deve ter sido a impressão que os animais guardaram das pessoas. Pra eles não há nada pessoal. Só aprenderam que a nossa espécie é sempre, de uma forma ou e outra, ameaçadora.
Tudo estava limpo e teoricamente seguro. Ele voltou para o quarto de Silvana. Quando voltava, não estava mais tão tenso e já não focava sua atenção na percepção, então sentiu mais intensamente a dor de seu corpo. Rodrigo realmente o arrebentou. Maldito...

- Apolinário? Fala alguma coisa! – disse Silvana
- Ta limpo lá fora. Aliás, ta bem sujo, mas sem infectados. É seguro
- Eu tenho que tirar a minha filha daqui, Apolinário.
- Engraçado você me chamar pelo nome. As pessoas sempre inventam apelidos pra mim.
- Não muda de assunto!
- Quer que eu fale o que?
- Vamos sair daqui em busca de nada? Esse mundo acabou, Silvana.
- Não. Esse lugar fede a morte. Eu não quero ficar aqui.
- Mas querida. Isso não faz sentido.
- Quê?
- Que o quê?
- Você me chamou de querida?
- Chamei?
- Ah, não importa. Nós temos que sair daqui. Não importa se faz sentido. Eu não vou ficar aqui com a minha filha. Não vou limpar todos esses corpos e fingir que nada aconteceu. Tem que ter um lugar melhor. Você não viu o avião que pousou aqui antes do Rodrigo chegar? Ele tem que ter saído de algum lugar e tem que ter alguém pilotando. Ficar aqui é esperar pra morrer.

Apolinário sentou na cama. Ainda estava bagunçada. Trazia más lembranças. Viajar com Silvana não poderia ser má idéia. Quem sabe apoiá-la daria pontos a ele? Ele voltaria a ser pai e marido. Nada mais tinha importância, afinal...
E de qualquer maneira, ela não deixava de ter razão.

- Quer sair quando?
- Agora.
- Agora? Olha, sei que está ansiosa, mas temos que armazenar alimentos, armamento e também conseguir um veículo.
- Não!
- Não o quê?
- Não vamos levar nenhuma arma. Eu não quero minha filha perto de arma.
- Nem a minha pistola?
- Só se você deixar escondida.
- Vou ver o carro e os mantimentos, então. Fica aqui com ela. Quando formos sair é melhor ela estar vendada. Sério...

Silvana se levantou e foi até a porta. Mandou Joana ficar no banheiro. Ela se prostrou diante do corpo de Rodrigo e chorou. Foi uma cena incômoda pra Apolinário, mas ele não quis criticar o morto. Esforçou-se, aliás, para fazer o contrário.

- Ele morreu por nós. Por vocês. – disse ele
- Ele era um filho da puta. Isso não compensa as coisas que ele fez.
- Então porque você ta chorando?
- Ele é o pai da minha filha, porra.
- Só por isso?
- Quê que é isso? Questionário?
- Não. To saindo. Fica com a Joana no banheiro que quando eu terminar eu te chamo

Ele saiu e começou a verificar se havia danos na passagem. Estava tudo em ordem. Pegou a visão noturnas e olhou para dentro do túnel. Tinha um infectado parado lá dentro. Ele pegou um fuzil com silenciador e acertou a cabeça dele. Um tiro de pistola provou que não restou nenhum. Se estivesse vivo correria feito louco atrás do som.
O jipe estava preparado para sair, mas Apolinário teve que tirar a metralhadora acoplada, o que tomou um bom tempo. Estava muito bem presa e era muito pesada.
Enchei o espaço com água e alguns mantimentos enlatados. Era loucura sair dali. Eles tinham uma horta. Mas ele estava mesmo é tentando agradar Silvana. Quanta merda os homens não fazem pra agradar mulheres?
O mico subiu no jipe e olhou para Apolinário. Ele abriu uma lata de sardinha e deu uma para o animal, que pegou e comeu um pedaço. Olhou para ele, mostrou os dentes e pulou em sua direção, ao que ele derrubou a lata de sardinha e saltou para trás. O animal pegou a lata fugiu.

- Bicho filho da puta! – gritou ele.

Acabou rindo. Um macaquinho o enganou e levou sua comida. Que vergonha!
Terminou de organizar tudo e ligou o jipe. Tanque vazio. Desligou e encheu o tanque. Lembrou, também, de levar combustível reserva. Não tinha muito.
O mico não poderia abrir latas, mas Apolinário cobriu tudo mesmo assim. Ele poderia tentar roubar assim mesmo.
Subiu até o quarto de Silvana. Ela já estava esperando com a menina vendada. Arrumou o cabelo, limpou o rosto. Estava linda. Nem precisava muito.

- Deixou a menina vendada esse tempo todo? – perguntou Apolinário.
- Não. Eu vendei só agora. Vi você chegar.
- A gente vai pra onde, tio Apolinho?
- Vamos pra praia, joaninha. A gente vai ver o mar.
- Oba! Eu adoro praia! Uma vez a gente passeou de barco.

Silvana olhou para Apolinário com um olhar de reprovação.

- Tem uma praia aqui, Silvana. A gente passa lá rapidinho só pra Joana ficar um pouco.
- Só um pouco. A gente tem que ir pro aeroporto. Acho que de lá a gente pode tentar fazer contato com alguém.
- Tem uma praia particular perto do aeroporto. A gente vai ali. Jogo rápido.
- Ta bem então.
- Eba! – a menina vibrou

Apolinário sorriu com a alegria inocente dela. Ele sempre gostou de vir sua filha assim alegre. Sentia como se fosse sua própria filha feliz por causa de uma coisa tão efêmera. Ver o mar. Silvana também sorriu. No fundo, o motivo maior dos dois de não se entregar ao desespero era ela. Dependia deles para praticamente tudo.

Major Robert...

Por causa da visibilidade precária, bateram num amontoado de corpos. Os airbags se encheram. Saíram do carro e viram aquele mar de corpos. Alguns ainda se arrastavam, mas lentamente. Parecia assustados.
Não teria como passarem de carro ali. Muitos corpos empilhados.

- E agora, senhor? – disse Kyle
- Vamos andar. – respondeu Robert
- O quê? – disse Wilson
- Querem dar meia volta?
- Não senhor. Mas podemos pegar uma pneumonia com essa chuva. – disse Wilson
- Não sei vocês, mas minha sede por vingança não permitirá que eu adoeça. Não antes de matar aquele desgraçado.
- Tem certeza que quer pegar estrada a pé na chuva, senhor? Já está escurecendo. – disse Kyle.
- Porra. Vamos dormir no carro então, seus viados.

A estrada estava vazia. Sem aquele mar de corpos. Ele estava com um carro que lança míssil. Tudo pronto para o massacre. Uma mulher veio falar com ele. Parecia com a sua avó, mas era mais nova. Aliás, quando ele olhou de novo, percebeu que era uma adolescente. Mas ainda assim era a sua avó.

- Você tem que ir? – perguntou a mulher
- Eu vou. Não importa se tenho que ir. Eu vou. E vou deixar minha marca.
- Não pensa em perdoar?

Ele se sentiu mal. Era a sua avó pedindo a ele que perdoasse. Ele sempre gostou da avó. Um velho chegou. Estava envolvido numa capa avermelhada que voava ao vento. Um capuz escondia seu rosto.

- Você pode você quer e nunca irá perdoar... E você condena a vida dele. Você é conduzido para a insanidade da ira excessiva, destruição e vingança, você nasceu para odiar... Seu destino é seguir essa estrada. – disse o velho.
- Não. – respondeu Robert
- Pensa que pode escapar?
- Eu não vou e nem quero. Mas eu não nasci para odiar. Nasci para proteger. Apenas me tornei isso por conta dessa ironia do destino.
- Tolo. Não percebe que sempre foi o seu destino ser um soldado das trevas? Não vê que você nasceu para destruir? Vê quantas pessoas tiveram que morrer para você despertar? Não sente como só agora você está sendo o verdadeiramente é?

Os corpos começaram a surgir na estrada e o velho o levou voando até um desvio que ficava a duas milhas dali. O mostrou como, chegando numa fazenda ele sairia por uma estrada de terra e contornaria os mortos.

- Você tem agora e sempre terá a chance de abandonar esse caminho, netinho. – disse a avó adolescente. Você ainda pode viver bem.
- Viver? Bem? Ilusão! Tudo ilusão! Não existe boa vida. Só existe o ódio, a destruição e o nada. O resto são ilusões criadas por pessoas que não suportam a realidade. Eu vou destruir Jack e todos os que estiverem com ele. Eu vou destruir tudo o que eu encontrar pelo caminho. Tudo!

Caiu um raio na avó dele, que ficou com aspecto terrível. Ela ficou carbonizada. Seus olhos claros e esverdeados mostravam ódio. Ela chegou perto de Robert e deu um tapa em sua cara.

- Então aceite as conseqüências!

Ele viu a si mesmo na infância. Ele estava brincando na casa da avó. Ela ofereceu bolinhos de chuva pra ele. Ele nem sabia de onde vinha esse nome. Só ela que falava por aquelas bandas.
O caminhão apontou para a casa e disparou. Tudo foi destruído, e no lugar ficou uma cratera, da qual saia fumaça preta.
Ele ficou olhando para aquela cena. Olhando para a sua morte, para a morte do que tinha sido a família. Não se importou.
Robert acordou dentro do jipe. A chuva passou e já não havia nenhum infectado se arrastando. Tudo ficou calmo, e ele sabia o que fazer.

- Ta certo. Nós vamos voltar duas milhas, pegar aquele desvio e contornar essa merda.
- Sim senhor. – responderam os dois soldados ao mesmo tempo.

Deram meia volta com o jipe e foram até o ponto. Estrada de terra batida. Cheia de lama.
O jipe passou bem por ali. Estava preparado para esse tipo de terreno. Chegaram até a fazenda e um grupo de infectados estava dentro da casa. Quando avistaram o carro, atacaram, e foram todos mortos. Uns vinte.
Depois dele saiu um jumper. Se esquivando dos tiros. Robert reconheceu o monstro. O mesmo desgraçado que o impediu de derrubar o avião com Jack.
O monstro não o atacou.

- Não atirem. Esse é meu. – disse Robert.

Soltou o fuzil e pegou a pistola. Correu na direção do monstro atirando, ao que este só se esquivava com um olhar confuso.
Ele descarregou a arma e pegou uma faca. Tentou acertar o monstro, que se esquivou com relativa facilidade. Parecendo aborrecido, o jumper pulou em cima dele, ao que ele deu-lhe um balão com a perna.
Os dois se levantaram e Robert berrou. Ele odiava aquele monstro. O monstro também gritou e um infectado correu na direção deles. Kyle o matou com um tiro no ouvido.
O jumper desarmou Robert, empunhando sua faca. Ele a enfiou na própria cabeça e caiu morto.
Robert sorriu e foi em direção ao monstro. Pegou a faca e arrancou sua cabeça. Foi bem difícil, mas ele não desistiu até terminar. A criatura tinha longos cabelos, que ele usou para amarrá-la na frente do carro. Quando ele terminou, cuspiu no chão e entrou no carro. Ele pegou o volante e os soldados foram no banco de trás. Estavam assustados e não fizeram nada. Ficaram com medo até de falar com o major. Ele estava totalmente fora de si. A cada instante mais raivoso. No entanto, não demonstrava nenhuma intenção de ferir seus soldados.

- Vamos revezar no volante e alcançaremos em breve aquele maldito. Lembrem-se da estratégia: sem muita enrolação. Matamos todos, rendemos Jack e o torturamos até a morte. – disse Robert
- Mal posso esperar, senhor. – disse Wilson
- Nem eu. Isso é pela nossa nação...

O riso dele foi um misto de orgulho e deboche. Difícil de definir qual foi o que teve mais peso ali. Os soldados interpretaram como orgulho e se sentiram mais seguros. Afinal, porque ele debocharia do que ele mesmo falou?
Chegaram num posto de gasolina arrombado. Levaram recursos e dinheiro. Idiotas.
Pegaram algumas garrafas de vodka que estavam ali jogadas. Esvaziaram todas e encheram de gasolina. Pegaram a roupa de um cadáver e tamparam as garrafas. Os coquetéis seriam úteis numa perseguição.
Comeram algumas coisas e beberam refrigerantes, mas não levaram nada. Só encheram o tanque e continuaram.
Continuaram à toda a velocidade pela estrada. O carro até derrapou quando Robert arrancou. Pista molhada.
No meio do caminho, dois homens os atacaram. Estava atirando com pistolas. Quando chegaram mais perto gritaram.

- Entreguem o carro ou matamos vocês!

Robert acertou um tiro na cabeça de um deles, ao que o outro largou a arma e levantou as mãos. Os soldados saíram do carro apontando a arma pro homem.

- Pro chão porra! – gritou Kyle
- Ta querendo roubar do exercito, seu merda? – disse Wilson.
- Não senhor. Pensei que esse jipe era roubado. Ninguém dá carona nessa estrada. Dizem que não vão se arriscar. Se ficássemos aqui morreríamos.

O homem começou a chorar. Se abraçou no cadáver.

- Era meu irmão. – disse ele.
- Mentira. Seu ladrão de merda. Vai morrer. – disse Robert
- Senhor. Podemos levar ele. Talvez ajude. – disse Kyle
- Você tem merda na sua cabeça, soldado? Me diz o que foi que aconteceu da última vez que confiamos num cara que não conhecemos. Me diz? – gritou ele.
- Ele nos traiu, senhor. – disse Wilson.
- Então vamos deixar ele aqui pra morrer? – disse kyle.
- Não.

O homem abaixou a cabeça sobre o cadáver e começou a chorar enquanto Robert acendia o molotov. Os soldados ficaram assombrados com o sorriso. Dele.

- Se não fizermos isso ele vai nos seguir e pode nos roubar. Tem que ser assim. – disse ele.
- Mas senhor... – disse kyle
- Está me questionando, soldado? – retrucou ele.
- Não senhor.

Ele chamou o homem e assim que ele viu o molotov fez uma cara de desesperado. A expressão que ele procurava. Jogou o coquetel nele. A garrafa quebrou em sua cabeça, mas ele não desmaiou.
Fogo no chão, no cadáver e no pobre diabo correndo até um rio que estava ali perto. Caiu na beira do rio e não se levantou mais. Ele tinha cheiro de carne de porco queimada.

- Kyle. Você dirige agora. – disse Robert – já estamos perto.

Seguiram pela estrada. Wilson olhou pelo retrovisor e viu o corpo de movendo novamente. Caiu no rio e foi arrastado. O fogo não apagou.

Silvana...

Tudo estava preparado. O carro pronto. Estavam saindo sem nenhum destino. Apolinário achava tudo aquilo uma grande loucura, mas dirigiu assim mesmo.
Entraram no túnel e Joana fechou os olhos. Ela tinha medo de escuro. Apolinário achava estranho alguém fechar os olhos por medo do escuro, pois com os olhos fechados tudo fic escuro. Mas acalmava a menina, então ele não falava nada.
Quando saíram do túnel o pano que cobria os mantimentos subiu e revelou o mico desesperado, se segurando em qualquer coisa.
Silvana gritou.

- Ah! Tem um bicho no carro!

Apolinário parou o jipe e olhou. O mico roubou uma lata, mas Apolinário conseguiu pegá-lo antes de ele pular. Ele mordeu a mão dele e pulou sem a lata. Subiu numa arvore ali perto e todos ficaram olhando pra ele. Tinha bananas ali, que os soldados colhiam numa plantação que ficava por ali. Joana pegou uma banana e desceu do carro. Descascou e arrancou um pedaço. Andou tranquilamente na direção do mico, que não se assustou.
Ele pegou na mão dela e comeu. Os dois ficaram pasmos.

- É o Robertinho. – disse ela. – A gente brincava lá no casarão. É meu amigo, ele.
- Ué, mas deu nome de gente pra ele? – perguntou Apolinário sorrindo.
- Ele não é Roberto. É Robertinho. Vocês conhecem algum Robertinho? É como eu. Eu sou Joana, mas tem um bichinho que se chama joaninha. Ele é o Robertinho, ué.
- Vai trazer o Robertinho pra praia? – disse Silvana.

O mico subiu no ombro da menina. Subiram no carro e o animalzinho não largava da barriga dela enquanto avançavam. Talvez pensasse que ela era a mãe dele. Sempre dava uns berros de medo quando o carro passava num buraco.
Passaram pelo aeroporto e havia muitos corpos apodrecendo ali.

- Fecha o olho, filha, que aqui tem coisa feia. – disse Silvana.

Joana tapou os olhos e abriu um espaço entre os dedos. Quando viu os cadáveres, tapou de vez e fechou os olhos. Ela não gostava de corpos. Davam medo nela. Dizia que eles pareciam que estava pra levantar.
Pegaram o anexo e saíram na marina. Não era bem uma praia, porque ficava numa pedra. Viram o iate e ficaram pasmos.

- Viu, Robertinho. Eu não disse que a gente ia passear de barco? – disse Joana

Apolinário se assustou, mas logo Silvana esclareceu a questão.

- Eu e o Rodrigo passeávamos de barco. Herdei do meu pai. Sempre que íamos pra praia era pra pegar o barco e passear. – disse Silvana. – daí quando dissemos que estávamos indo pra praia ela deve ter associado as coisas.
- Putz! Acha que podemos pegar esse barco?
- Devemos. Tenho certeza que o dono não vai reclamar. Deve ter ido naquele avião.
- Vou lá ver se está tudo limpo – disse Apolinário. – daí se estiver eu te chamo.
- Não. Se tivesse perigo já teria mostrado as caras. Os monstros não são de ficar escondidos.
- Não sei. Esse barco é gigante.

Silvana ignorou os argumentos de Apolinário e entrou no barco. Levou a menina com ela de mãos dadas. O mico foi no ombro de Joana. Era muito pequeno, o Robertinho.
O barco tinha combustível de reserva e estava com energia elétrica. Era tudo automatizado. Só colocar os comandos e ir. Nem precisava saber muito. Quando Silvana chegou à sala de comando, viu todos os painéis em pleno funcionamento. O computador tinha uma pergunta na tela: “Por favor, entre com as coordenadas do próximo destino”.
Abaixo havia várias sugestões de destino. Primeiro ela escolheu Califórnia, mas a maquina deu um feedback de que o canal do panamá estava fora de funcionamento e que não havia combustível suficiente para dar a volta no continente.
Depois ela escolheu o segundo destino sugerido pela maquina. Fernando de Noronha. Foi pra lá uma vez quando era pequena.
A tela mostrou a quantidade de combustível registrada nos computadores no início e todo o trajeto do barco. Fez uma estimativa de que distância eles ainda poderiam percorrer. O barco saiu do Rio de Janeiro, e isso trouxe um frio na barriga de Silvana. Rodrigo esteve ali.
O barco saiu e Apolinário se assustou.

- Você que ligou o barco aí, Silvana? – perguntou ele.
- Fui eu sim. Coloquei pra irmos pra Fernando de Noronha.
- Não. Ta tudo destruído por lá.
- Deixa. É longe daqui. Chegando perto eu mudo o destino.
- Vai mudar pra onde?
- Não sei.
- Quê? Ta saindo sem saber pra onde vamos?
- É.

Ele achou aquilo um absurdo e estava perto de deixar essa vontade de ficar com ela. Já estava cansado daqueles impulsos e da forma como ela negava a razão. Mas essa passou. No mar estariam mais seguros do que na terra.
No início o Mico ficou com medo, mas logo se acalmou. O Iate quase não balançava.
Exploraram o Iate, que parecia não ter fim. Uma cama estava molhada. Alguém se mijou ali. Tinha cheiro de bebida alcoólica naquele quarto e as camas estavam bagunçadas. Ela imaginou que Rodrigo dormiu ali. Uma sensação estranha tomou conta dela. Quis se livrar de tudo que pudesse lembrar a imagem dele. Pegou as garrafas de bebida, que ele tanto gostava, e jogo no mar. Achou as armas que ficaram no barco e jogou todas fora. Ela não queria Joana tendo contato com essas coisas.
Apolinário achou a sala dos computadores, e um estava ligado. O Word estava aberto, e um texto estava por terminar.

“A minha garotinha é a única coisa que me mantém vivo. Minha vida nem tem mais sentido. Não tinha antes, mas eu me distraía e pensava que poderia viver. Mas tudo se foi. Tudo foi destruído e eu to na merda. Quero ver minha menina sorrindo porque eu cheguei. Minha filhinha. Vou proteger ela de tudo. Nunca ninguém vai feri-la sem me matar antes.
Caralho...
Eu escrevendo assim como se fosse um diário! Mas que viadagem! Nunca pensei que eu ia fazer essa merda. O mundo dá voltas...
Queria deixar um recado pra Silvana. Nem sei está viva ainda. Eu ...

Yt6hh”

Provavelmente ele bateu com a cara no teclado e caiu. Apolinário clicou em fechar e não salvou as alterações...

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